quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eleições 2010

Dora Kramer analisa, no Estadão, a entrevista de Dilma no Jornal Nacional

"O problema já havia surgido de maneira tênue no debate da Band, mas na entrevista do Jornal Nacional ficou explícito: de agora em diante caberá a Dilma Rousseff dar explicações sobre as contradições do PT e do governo Luiz Inácio da Silva.

As cobranças serão feitas a ela e não a Lula, pois é a candidata e não o presidente quem estará presente às entrevistas e aos debates que daqui até a eleição dividirão a cena com o horário eleitoral de televisão e com as pesquisas de intenções de voto.

Do horário cuidam os marqueteiros, das pesquisas tratam os institutos, mas das respostas às perguntas feitas sem combinação prévia só os candidatos propriamente ditos podem se encarregar.

A tarefa não é fácil para nenhum deles; nem para o experiente José Serra, que sempre pode escorregar (como, aliás, já escorregou) diante de um questionamento mais incisivo ou desconfortável.

Muito mais difícil é para Dilma. Por escassez de traquejo e abundância de passivos.

Na Band a candidata saiu pela tangente das cobranças de desempenho feitas pelo adversário tucano. Na Globo procurou se equilibrar, mas não conseguiu responder satisfatoriamente.

Cobrada sobre resultados pífios no crescimento econômico face ao desenvolvimento de vizinhos e de companheiros na categoria emergentes, socorreu-se na herança maldita, culpando o governo Fernando Henrique e mentiu ao se referir a inexistente descontrole inflacionário em 2003.
Ouviu seu preparo profissional ser posto em questão pelo entrevistador - "a senhora está preparada?" -, que a indagou ainda sobre uma possível tutela por parte do presidente Lula. Não pôde confirmar nem renegar, mas em algum momento daqui em diante terá de responder.

Bem como precisará ser mais clara a respeito do dedo posto por Willian Bonner em cima da ferida: o PT errou quando insultava Sarney, Collor e Renan ou errou depois ao se aliar a eles?

"Antes o PT não tinha experiência, amadureceu no governo", respondeu Dilma.

Quer dizer, é "maduro", inevitável e indispensável juntar-se ao que há de pior - pelo critério do próprio PT - e, portanto, concluiu-se que, a depender dela, não há o menor risco de o nível melhorar.
Se não foi isso, o que então a candidata quis dizer? Nos próximos dois meses terá várias chances de explicar.
O fiador. Antonio Palocci tranquiliza o establishment a respeito de temas que provocam dúvida e suscitam receio.
Sobre a preponderância do PT nas decisões de governo sem Lula em cena, tem dito: o partido não tem vocação para atuar na administração. Prefere ficar distante e continuar defendendo algumas ideias das quais não se desgruda desde a fundação. Em miúdos: será o partido de um lado e o governo de outro.
Sobre a presença do PMDB no governo e seus conflitos com o PT: mais objetiva e interessada do que Lula no conteúdo das questões, Dilma sabe melhor como lidar com as dificuldades. Isso facilitará a administração dos mais que prováveis atritos entre PT e PMDB.

Sobre guinada à esquerda: tem ainda menos margem de manobra que Lula para quaisquer concessões. Se Lula teve de se aliar ao atraso, Dilma por mais razão dependerá de alianças, digamos, tradicionais.

Caneta. O PSDB conta com a eleição de Geraldo Alckmin no primeiro turno da eleição em São Paulo para ajudar o desempenho de José Serra no segundo.

Eleito governador, Alckmin teria muito mais facilidade para convencer os prefeitos do Estado a ajudar o tucano a se eleger presidente.

Vacina. Os tucanos mudaram os planos de começar o horário eleitoral com empate entre Dilma e Serra. Já dizem esperar que a pesquisa do Datafolha - para eles a única totalmente confiável - registre a dianteira da petista. Aguardam algo como cinco pontos porcentuais de frente."


Augusto Nunes analisa, em seu Blog na Veja, a entrevista de Dilma no Jornal Nacional:
"Até ser promovida a candidata, Dilma Rousseff só fez de conta que nunca foi contrária ao Plano Real. Há dois meses, começou a insinuar que o governo Lula pôde reconstruir o Brasil por ter, primeiro, liquidado a inflação. Na entrevista ao Jornal Nacional, dispensou-se de pudores: para justificar as anêmicas taxas de crescimento registradas nestes sete anos e meio, garantiu que o chefe herdou um país flagelado pela inflação sem controle.

Está claro que é a cabeça de Dilma que não tem controle, mas é improvável que tenha esquecido o que testemunhou já perto dos 50 anos. Como recordam até os feirantes amnésicos, a inflação selvagem se aproximava do índice mensal de 40% quando foi domada em meados de 1994 pelo Plano Real, concebido no governo Itamar Franco por uma equipe de economistas liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Comandado por Lula, e amparado em argumentos emprestados pela professora Maria da Conceição Tavares ao aluno Aloízio Mercadante, o melhor da turma dos piores, o PT se opôs com virulência à aprovação do plano. Comandado por Leonel Brizola, o PDT endossou a ideia de matar no berço as medidas que erradicaram a praga inflacionária. Dilma Rousseff endossou sem ressalvas a posição do partido a que foi filiada até ser atraída por uma proposta de emprego do PT.

Enjaulado abaixo de 1% ao mês durante oito anos, o monstro ameaçou acordar em novembro de 2002, contagiado pela excitação dos investidores internacionais com a vitória de Lula, O próprio Fernando Henrique Cardoso cuidou de tranquilizar os amedrontados, o presidente eleito reafirmou publicamente que manteria as diretrizes da política econômica e já em dezembro o índice caiu. Lula assumiu um país em ordem.

Com um sorriso de aeromoça, Dilma fuzilou a verdade diante de milhões de espectadores. Com a naturalidade de quem nunca viu nada de errado na expropriação do patrimônio alheio, protagonizou a tentativa de assalto, transmitida ao vivo, que tem por alvo a maior façanha de Fernando Henrique Cardoso. Cabe à oposição impedir a consumação do roubo. E cumpre a José Serra ordenar à adversária, com todas as letras e sem rapapés, que pare imediatamente de contar mentiras."

Lembrai-v0s de 2002 (e 2006)
Em outubro de 2002, selada a derrota do tucano José Serra para Luiz InácioLula da Silva, na eleição presidencial daquele ano, publiquei em O Estado de S. Paulo o artigo abaixo, sob o título "O limão na geladeira". Qualquer semelhança com a situação atual não será mera coincidência.
José Serra tinha um limão para fazer uma limonada. Preferiu guardá-lo na geladeira. O limão era Fernando Henrique Cardoso e seu governo.
E Serra acabou vitimado pela armadilha que ele próprio criou. Achou que o limão era azedo demais, menosprezou as qualidades do fruto, esqueceu-se de que uma boa limonada exige água pura, de preferência mineral sem gás, sem excesso de açúcar ou adoçante.
E o que fizeram insistentemente Lula, Garotinho, Ciro, José Maria e Rui Costa em suas campanhas? Demonizar o governo de que Serra participou e transformar o PSDB num limão de sabor insuportável.

O candidato oficial preferiu não contra-atacar. Insistiu na estratégia de que os eleitores não deveriam olhar para trás, mas para frente. Leu mal a passagem bíblica sobre a mulher de Ló. Em outras palavras, Serra parecia dizer que, também ele, não concordava com o modelo FHC que vigora no País desde a implantação do Plano Real.
"Esqueça FHC", alguém pode ter pensado que este teria sido o conselho de Nizan Guanaes, o festejado marqueteiro de Serra. Será mesmo? Quem conhece o Nizan sabe de sua imensa admiração e amizade por Fernando Henrique. Mas se foi Nizan quem aconselhou Serra a esquecer FHC, como a saída que restava para levar seu cliente à vitória, no mínimo cometeu um wishful thinking [em português, leia-se como uma possível racionalização de desejo].

O fato é que o candidato oficial não se deu ao trabalho de fazer um balanço dos anos FHC, em toda a sua campanha, tanto no primeiro como no segundo turno.
Será que os brasileiros têm na memória como era o País antes dos anos Fernando Henrique? Alguns milhões, certamente. Mas, outros tantos milhões não tiveram esta oportunidade durante a campanha eleitoral. Ao contrário, seduziram-se pelo discurso oposicionista, centrado na "mudança" e na demolição da obra do atual governo. E essa imagem se consolidou pela inação, para não dizer colaboração inconsciente, do candidato situacionista.

Não precisa ser marqueteiro para se saber que, numa campanha, a primeira tarefa é animar e consolidar os eleitores que são simpáticos ao candidato. Os admiradores de FHC não tiveram motivos para animar-se com a campanha serrista. Que dizer, então, da cúpula, da subcúpula, do médio e do baixo clero que compõem o governo de Fernando Henrique?
Lula acusou Serra de ser o político mais desagregador que ele conheceu. Era um discurso eleitoral, evidente. Mas juízo não muito diverso deve ter sido feito por gente do Planalto e da Esplanada dos Ministérios. Afinal, o candidato não a defendeu.
E José Serra tinha muito o que falar sobre o governo de Fernando Henrique.
Não mencionou sequer que o presidente havia recebido das Nações Unidas, e isso em pleno segundo turno, o Prêmio Mahbud ul Haq, entregue a líderes que mais contribuíram para o desenvolvimento social de seus países. No caso de Fernando Henrique, pelos avanços que conseguiu na educação, na saúde, na reforma agrária e na erradicação do trabalho infantil.

"Vamos ter saudades de muitos aspectos do governo Fernando Henrique Cardoso", escreveu o jornalista Márcio Moreira Alves a propósito da premiação. E fez essa confissão: "Terei saudades especialmente de dona Ruth, que, serena e discretamente, mudou a forma de o governo intervir na área social."
Não é pouca coisa. Mas Serra poderia também ter lembrado que, com FHC, a democracia brasileira consolidou-se, a estabilidade econômica foi mantida, o saneamento financeiro dos Estados e municípios foi conquistado, a farra com as finanças públicas foi barrada com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

E poderia lembrar, também, que o presidente enfrentou sucessivas crises econômicas externas, sem que o País soçobrasse, que pegamos um honroso terceiro lugar entre as nações mais favorecidas com investimentos externos diretos... Os defensores de FHC ficariam muito gratos por essas lembranças, que poderiam ser acrescidas de outras tantas, inclusive sobre a figura de gentil-homem do presidente.
Se o governo Lula der certo, será por causa da herança que recebeu; se der errado, é porque malbaratou-a.





Um comentário:

  1. Melcaro Edinho, parabens pelo riquíssimo blog, embora vc dê como finda a eleição. Tropeços acontecem e a coligação PT/Sarney é "frouxa, moral e intelectualmente", oposta ao lulismo, expressão da expansão em todas as direções do Real de FHC. []'s.

    ResponderExcluir