sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Eleições 2010

Lula, o donatário

Texto da coluna de Míriam Leitão, em O Globo:
"O presidente Lula se despedindo da Presidência, no programa eleitoral de Dilma Rousseff, com a música “entrego em suas mãos o meu povo” me lembrou o pior Brasil. O Brasil dos donatários, das capitanias hereditárias. Como se não fosse suficiente, ainda há o discurso que infantiliza o povo brasileiro com essa história de pai e mãe do povo.

Desde “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, o Brasil conhece bem esse seu pior lado. O do patrimonialismo brasileiro, do qual nasceram outros defeitos: o populismo, o paternalismo, o clientelismo. Com a manipulação das massas, os donatários do Brasil mantêm o poder e o entregam aos seus herdeiros. Além do “deixo em suas mãos”, há ainda a ameaça continuísta implícita: “Mas só deixo porque sei que vais continuar o que eu fiz.” Como se Lula pudesse decidir não passar a Presidência à pessoa que for eleita este ano.

Ninguém duvida que apelos emocionais funcionam em campanha eleitoral. Mas não garantem eleição. Difícil esquecer até hoje o contagiante “Lula lá, nasce uma estrela, Lula lá”. E ele perdeu aquela eleição. São muitas as razões do voto e a história eleitoral brasileira é curta demais para que sejam traçadas leis gerais. Mas espera-se que ela não se explique pelo retrocesso, por essa visita ao passado.

A economia é decisiva na maioria das eleições, mas nem sempre. A economia americana estava num dos seus melhores momentos ao final do governo Bill Clinton e mesmo assim Al Gore perdeu. É bem verdade que Al Gore quis distância de Clinton por causa do escândalo Monica Levinsky. Se por acaso o então presidente democrata fizesse uma campanha paternalista, cantando que entregava o povo americano nas mãos de Gore — como se fosse sua propriedade — certamente causaria rejeição ainda maior. Lá, eles não acham que eleitores passam de mão em mão como uma massa sem vontade própria. Nem mesmo ocorreria a um presidente decidir pelo partido quem deve concorrer à sua sucessão, porque existe o saudável ritual das primárias em que os candidatos a candidatos enfrentam o desafio de convencer seus próprios militantes. Aqui, nem governo nem oposição escolhem postulantes de forma transparente.

O Brasil está crescendo forte, a inflação está em queda — foi zero em julho — o crédito se expandindo, o consumo aumentando, o desemprego caindo. Alguns números são mais elevados por causa da base de comparação, mas há crescimento de fato. A crise de 2008/2009 derrubou a economia e, da perspectiva da campanha governista no Brasil, a recuperação está ocorrendo na hora exata para ajudar o governo na campanha. Todos esses fatores são mais poderosos na definição do voto do que apelos populistas. É a sensação de conforto econômico que fortalece a campanha da continuidade.

Na onda mistificadora na qual todos no governo estão empenhados, o Ministério da Fazenda divulgou ontem um pretenso estudo para provar que a atuação do BNDES garantiu que o país evitasse uma recessão de 3,2% no ano passado e sustentou 4 pontos percentuais do crescimento deste ano.
A História econômica recente do Brasil mostra que o crescimento do PIB tem duas características: não sustenta taxas altas por muito tempo; não tem grandes quedas. No ano passado, vários países do mundo tiveram quedas grandes do PIB como os 7% da Rússia e do México. O Brasil ficou no -0,2%. Pela visão do ministro Guido Mantega, foi a ação do BNDES. Mas na crise da Ásia todos os países que tiveram colapsos cambiais enfrentaram recessões enormes: Coréia, -7%; Indonésia, -17%. O Brasil não teve resultado negativo. E não teve esse jorrar de dinheiro do Tesouro para as empresas brasileiras através do BNDES. Segundo Mantega, esses empréstimos subsidiados com dinheiro do Tesouro garantiram 7% de crescimento. Esse número é tão científico quanto o ocultismo.

Ninguém discute a importância do BNDES na economia brasileira, é claro que ele é importante. O problema são os desvios que reforçam o patrimonialismo: a ideia de que o Tesouro pode ser apropriado por alguns. Reduzir o custo de capital, incentivar empresas, estimular a economia o banco sempre fez. Só nos seus piores momentos, como na época dos militares no poder nos anos 1970, escolheu donatários do dinheiro público, concentrou recursos nessa proporção, transferiu impostos para alguns poucos como está fazendo agora.

É por isso que os grandes empresários brasileiros estão tão contentes e querem mais do mesmo. O presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, na série de ideias obsoletas que exibiu na entrevista que concedeu esta semana ao “Valor Econômico”, disse que quer não um, mas três BNDESs. Pode-se imaginar que está sendo sincero. Pediu que o governo “feche o país por um tempo.” Pode-se imaginar por quê. Com a economia fechada, funciona melhor o sistema das capitanias hereditárias, do mercado interno entregue como donataria para alguns proprietários. Há 20 anos o Brasil começou a abrir a economia, por isso já se pensava, a esta altura, que ninguém teria mais a coragem de fazer um pedido como esse. A crise de 2008/2009 e as eleições de 2010 viraram uma espécie de licença para propor qualquer velharia: dos subsídios ao fechamento do país. A campanha governista nas eleições está fortalecendo a ideia de que o país não tem um líder, nem um presidente; tem um dono. Um donatário"

"Lígia"

Tom Jobim com Roberto Carlos


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Antonio Carlos Jobim e Roberto Carlos

"Lígia"

Eleições 2010

Editorial de O Globo desta quarta-feira, 18/08/10

"O aparelhamento da máquina público decorrente de interesses político-ideológicos e o loteamento de áreas do Estado por motivação fisiológica são duas pragas da política brasileira que respondem por boa parte da má aplicação do dinheiro do contribuinte, já esmagado sob uma carga tributária de mais de 35% do PIB, recorde no bloco dos emergentes.

É típica do aparelhamento de origem política a ocupação do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelos chamados “movimentos sociais” — MST e similares. Nesta privatização daninha da coisa pública, o contribuinte também não está a salvo de desvios criminosos do seu dinheiro.

Vide indícios fulgurantes de expropriação de recursos públicos existentes na prestação de contas de entidades criadas neste âmbito “social” apenas para ter acesso ao Tesouro. Isto quando prestam contas. É assim que ações violentas de invasão de propriedades terminam financiadas pelo Erário.

O empreguismo e loteamento de cargos por razões fisiológicas também têm símbolos na Era Lula. Justiça se faça, trata-se de mazelas tradicionais no Brasil, infelizmente. Não surgiram de 2003 para cá. Mas o governo, por não ter querido ou sabido fixar limites à voracidade de partidos da base parlamentar, convive com situações como a dos Correios.

Na estatal, hoje prestadora de maus serviços, chefias nomeadas por caciques partidários se dedicaram a arrematar propinas para caixa dois de legendas. Não faltou a grotesca cena, gravada, em que Maurício Marinho, autoproclamado representante do petebista Roberto Jefferson na ECT, literalmente embolsa um maço de dinheiro entregue por um fornecedor da estatal. Ali começaria o escândalo do mensalão e acabaria de vez a virgindade do PT.

Este é o contexto no qual surge a informação, apurada pelo GLOBO, de que 399 relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), feitos apartir de 2009 sobre a atuação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), apontam para uma conta de R$ 1,02 bilhão proveniente de superfaturamento de obras e outros malfeitos. Em linguagem direta: roubo, desfalque.

O Dnit faz jus ao fato de ser o velho Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) com outro nome. Pois o DNER foi fechado no governo FH devido ao longo histórico de corrupção da autarquia. Como se vê, reencarnou no Dnit com o mesmo DNA. A ação de quadrilhas no departamento, retalhado entre apaniguados políticos, chega a ser rocambolesca.

No início do mês, o superintendente do departamento no Ceará, Guedes Ceará, e outras pessoas foram presos pela Polícia Federal sob a acusação de participar do desvio de R$ 5,5 milhões do orçamento de obras. Guedes havia sido indicado pelo ex-governador Lúcio Alcântara, do PR.

Se forem consultadas auditorias do TCU na Infraero surgirão casos semelhantes. Enquanto isso, a população se arrisca em estradas federais mal conservadas e padece em aeroportos há tempos incapazes de atender ao crescente volume de passageiros. O assunto serve de munição de campanha eleitoral. Mas, haja o que houver nas urnas, o próximo governo bem que poderia atenuar o bombeamento de recursos do Tesouro para grupos que se especializaram em capturar dinheiro público, à esquerda e à direita.

Quando mais não seja, por inteligência: vai aparecer mais dinheiro para financiar despesas efetivas."

terça-feira, 17 de agosto de 2010

I'm a man of constant sorrow

Cena de filme "E aí, irmão, cadê você?", dos irmãos Coen:

Chet Atkins e Mark Knoplfer

There'il be some chance made

Eleições 2010

Principal editorial de O Estado e S. Paulo, intitulado "Duelo à sombra de Lula"


"Por sorteio, o candidato tucano José Serra será hoje o primeiro dos 9 presidenciáveis a aparecer no rádio e na TV, na abertura do ciclo de 20 dias reservados aos inscritos na disputa pelo Planalto. Mas nem o mais fervoroso adepto do ex-governador paulista ousa imaginar que, ao fim da temporada, em 30 de setembro, ele voltará à primeira colocação que ocupava nas pesquisas até abril. À época, apenas começava a dar resultados a formidável operação montada para promover a figura da ex-ministra Dilma Rousseff, ainda uma ilustre desconhecida para a grande maioria do eleitorado, como "a mulher do Lula".

Agora, o máximo a que Serra pode aspirar é que o seu desempenho nos programas eleitorais e nos debates a se realizarem nesse meio tempo na mídia eletrônica tenha impacto suficiente para levar o duelo ao segundo turno. O seu desempenho convincente, bem entendido, e os eventuais tropeços da adversária.

Quando a curva nas pesquisas começou a mudar em fins de maio, indicando uma nítida tendência de crescimento das preferências por Dilma, a última esperança dos partidários de Serra era ambos chegarem empatados nos derradeiros levantamentos antes do início do período oficial de propaganda televisiva. A expectativa ruiu com os resultados da pesquisa do Datafolha, divulgados na sexta-feira, e com os do Ibope, apresentados ontem à noite. No Datafolha, por exemplo, a petista não só livrou 8 pontos de vantagem na pesquisa estimulada, como ainda cresceu ou se estabilizou em quase todos os setores do público entrevistado.

A esta altura, Serra lidera apenas entre o grupo de renda acima de 10 salários mínimos por mês - que representa 4% do eleitorado. Dilma pela primeira vez passou o tucano na decisiva Região Sudeste, diminuiu a diferença que a separava dele no Sul e conseguiu empatar entre as mulheres, junto às quais Serra reinava absoluto. Em suma, não há na pesquisa um único dado animador para ele. Pior: os números sugerem que não se completou a transferência de votos de Lula para a sua afilhada. Entre os eleitores que aprovam o presidente, 27% ainda manifestam a intenção de votar no tucano. Eram 32% em julho.

A cartada de Serra para o horário eleitoral se assemelha à proverbial quadratura do círculo. Consiste em convencer a ampla parcela que o considera candidato de oposição a Lula de que não só isso é falso, como ainda, no fundo, no fundo, até se parece com ele: também veio debaixo. Mais importante que tudo, a sua experiência e os seus conhecimentos das aflições do povo o credenciam a fazer - melhor do que a novata Dilma - um governo na linha do atual, só que aperfeiçoado. Está neste trecho do seu jingle: "Quando o Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá, o Zé Serra eu sei que anda?" E neste: "Zé é bom eu já conheço, eu já sei quem ele é."

A óbvia limitação à metamorfose de José em Zé e o papel do Zé como o Lula depois de Lula é que o verdadeiro - em torno de quem gravitam a eleição e a maioria dos eleitores - não se cansará de lustrar a imagem de sua candidata. Administradora, dirá, ela foi a alma do seu governo. Mulher, insistirá, é a mãe coragem, que de um lado zela pela família, de outro briga para que as coisas certas aconteçam, e será a primeira presidenta do Brasil. A única dúvida aparente do padrinho e da apadrinhada é a dosagem da participação do primeiro no espetáculo mercadológico da segunda - duas sessões de 10 minutos 3 vezes por semana, ante os 7 de Serra.

Lula não pode aparecer pouco, para não diluir a associação entre ambos na percepção do eleitor. Mas ele também não pode aparecer demais para não ofuscar a candidata e permitir que o outro lado explore a sua "lulodependência". Mas é um suave dilema perto dos que cercam o tucano.

Mas o que vai decidir a eleição - se já não decidiu - não é aquilo que os dois candidatos irão dizer. O que decidirá é o que os americanos chamam feel good factor, o fator "satisfação geral", em tradução livre. Em outras palavras, o sentimento generalizado de todos os setores da sociedade de que a situação material de cada cidadão melhorou nos últimos oito anos.

A oposição, como dissemos em editorial de 2 de julho, não ganha eleição. É o governo que perde eleição. E um governo com quase 80% de aprovação não tem motivo para perder esta eleição."

sábado, 14 de agosto de 2010

Pablo Milanés

Para vivir un grande amor

Cowboys Junkies

Eleições 2010

Texto do principal editorial de hoje de O Estado de S. Paulo, sob o título "Mobilização geral por Dilma":

"O País seria outro em muitos aspectos se o presidente Lula tivesse convocado a administração federal a fazer o que dela a sociedade cobra com a mesma determinação empregada para fazê-la trabalhar cada vez mais pela candidatura Dilma Rousseff. E a máquina pública faria jus aos volumosos impostos recolhidos da população se os devolvesse sob a forma de serviços de boa qualidade no ritmo requerido, com o mesmo empenho e assiduidade com que se engajou na campanha sucessória, a fim de suprir as notórias deficiências da ex-ministra no embate eleitoral.

Fiel à sua proclamada prioridade “como presidente” este ano, não bastou a Lula carregar a sua afilhada pelo Brasil afora em eventos ditos administrativos, pelo que já recebeu uma penca de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Tampouco deve ter considerado suficiente sincronizar o anúncio de medidas na área de políticas públicas com as promessas da candidata na montagem de uma assim chamada “agenda positiva”. Foi só ela defender a intensificação do combate ao crack, por exemplo, e eis que, num primário jogo de cartas marcadas, o Planalto apresentou o que seria um programa nacional nesse sentido.

Com igual despudor, apostando na falta de informação e senso crítico da parcela do eleitorado com que conta para eleger a ex-ministra, Lula resolveu colocar o Ministério em regime de prontidão para fazer por Dilma o que ela não conseguiria por conta própria. Na terça-feira, ele reuniu o Gabinete para exigir de seus integrantes dedicação plena à campanha eleitoral. “O povo brasileiro”, avisou na véspera, “merece que nós possamos concluir o trabalho que começamos.” Naturalmente, nenhum dos mobilizados há de ter tido dúvidas sobre a natureza desse trabalho.

Coincidência ou não, no mesmo dia do comando de ordem unida dado por Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou pessoalmente um boletim estatístico eivado de falsidades. A julgar pelos números manipulados, o governo Lula é ainda melhor do que o seu titular diz ser e o governo Fernando Henrique ainda pior do que o lulismo apregoa. Dados referentes ao primeiro ano da gestão FHC, por exemplo, foram omitidos para aumentar a diferença da variação da renda nacional per capita nos dois governos.

As verdades distorcidas foram parar sem demora no site da candidatura Dilma e ela mesma se valeu de uma delas (sobre a evolução do salário mínimo) na sua vez de ser sabatinada pelo Jornal Nacional. A operação casada prosseguiu nos dias seguintes, quando os Ministérios da Saúde e dos Transportes contestaram fatos e números apresentados pelo candidato oposicionista José Serra no mesmo programa. Menos de 2 horas depois, com incomum agilidade, a Saúde divulgou nota oficial respondendo à crítica do tucano à extinção dos mutirões criados quando chefiou a Pasta. “Os mutirões foram incluídos na Política Nacional de Cirurgias Eletivas, criada em 2004″, diz a nota.

Com isso, segundo o governo, o número desses procedimentos programados subiu de 1,5 milhão para 2 milhões. O texto parece ignorar relatório oficial de março passado atestando o contrário. Em 2002, último ano da gestão Serra, foram 484 mil cirurgias de 17 modalidades. Em 2009, esse total caiu para 457 mil. O governo se vangloria das 319 mil operações de catarata no ano passado, ante 309 mil há 8 anos. Mas finge desconhecer a fila de mais de 170 mil candidatos a cirurgias nas 7 maiores cidades do País, conforme revelou O Globo. Nada disso, evidentemente, impediu o PT de anunciar no seu site que a Saúde rebatera as “mentiras de Serra”.

Já o Ministério dos Transportes negou a informação do candidato de que, a contar de 2003, foram aplicados em estradas apenas R$ 25 bilhões dos R$ 65 bilhões arrecadados com o imposto para obras de infraestrutura (Cide), entre outras. A Pasta desmentiu também que a Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estivesse “fechada”, como afirmou Serra. O ponto não é o direito (ou o dever) dos governos de contestar com fatos objetivos as acusações que lhe são dirigidas. Mas o governo Lula, a pretexto de se defender, se mobiliza para fazer propaganda enganosa com fins eleitorais."

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Eleições 2010

Editorial de O Globo intitulado "Campanha das ambiguidades"

"Dada a força de sua popularidade, o presidente Lula paira sobre a campanha, pois, para o lulismo, eleger Dilma Rousseff é conquistar o terceiro mandato consecutivo acertadamente proibido pela Constituição. Se isto acontecerá na prática, não se sabe. Afinal, criaturas costumam ganhar vida própria longe do alcance do criador, quando assumem o poder.

Lula também tem forte presença na campanha do tucano José Serra, de forma paradoxal: pela força que o candidato faz para tirá-lo da disputa, em proporção inversamente proporcional à executada por Dilma para apresentar-se como garantidora da continuidade.

Tem razão o ex- governador de São Paulo quando disse à bancada do JN, William Bonner e Fátima Bernardes, que “não se governa da garupa”. Ou seja, engana-se quem vota em Dilma pensando reeleger Lula. Nunca é a mesma coisa, indica a experiência.

Mas o tucano padece de séria ambiguidade ao optar por falar mal do governo — na Saúde, na infraestrutura, na falta de investimentos em geral — sem criticar o chefe dele. Parece desafio de equilibrista de circo — pode arrebatar plateias ou não.

Ambiguidade semelhante atinge a verde Marina Silva, petista e ministra de Lula até outro dia, e que resolveu sair do governo depois de ter os espaços tolhidos pela poderosa ministra Dilma Rousseff, conhecida por não dar trela a ambientalista, tamanho seu ardor pelo desenvolvimentismo. A conversão ambiental de Dilma viria depois, e até hoje não se sabe se foi por conveniência eleitoral ou convencimento intelectual.

Serra evita colidir com Lula, Marina faz o mesmo com Dilma. Sequer critica o descaso do lulismo com o meio ambiente . O tucano pelo menos aponta para as “estradas da morte” etc. Assim, Marina Silva corre o risco de não se firmar como “terceira via”, por falta de contraste.

Outro ponto comum às três entrevistas ao JN é a mazela da baixa qualidade das alianças político-partidárias — delas em si e dos métodos empregados para selá-las.

Perguntada sobre o convívio do PT com antigos e execrados adversários — Collor, Renan Calheiros, Jader Barbalho, entre outros —, Dilma Rousseff respondeu que o partido passou a admitir essas companhias, mas “nos termos” ditados por ele. Há controvérsias.

Já o ex-governador de São Paulo, na tentativa de defender representantes do mensalista PTB na base de sua campanha, utilizou o risível argumento de que o PTB que o apoia é o de São Paulo. Preferiu esquecer que o denunciante e também beneficiário do mensalão, deputado petebista cassado Roberto Jefferson, foi quem adiantou a escolha de Índio da Costa para vice tucano pelo twitter, numa demonstração de intimidade.

Marina, por sua vez, com menos telhado exposto a pedradas — embora também existam nele telhas de vidro — parte para um proposta sonhadora no atual estágio da política brasileira: governar com os melhores do PSDB, PT e DEM.

É claro que a costura de alianças se tornará mais fácil, menos penosa para quem se preocupa com a ética, à medida que a Ficha Limpa surta resultados concretos. Também facilitará se a questão da cláusula de barreiras voltar à agenda do Congresso.

Mas, mesmo sem maiores alterações de legislação, é possível, a partir de uma postura política séria, atenuar a fisiologia nessas barganhas. Depende do próximo presidente.

Espera-se, agora, que a propaganda eleitoral dita gratuita, que se inicia terça-feira, preencha os inúmeros vazios que persistem no discurso dos candidatos."

"Nossas elites"

Artigo de Leoncio Martins Rodrigues, em O Estado de S. Paulo, com o título acima:
"De tempos em tempos, a crítica às "nossas elites" volta a frequentar o discurso petista. Não fica claro quem são elas. Sabe-se, contudo, como denunciou recentemente o presidente Lula, que são capazes de muitos crimes contra o povo e contra o País, até mesmo de assassínio de quem morreu de morte morrida, como o ex-presidente Jânio Quadros. Getúlio Vargas - latifundiário, deputado estadual, deputado federal, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, 20 anos na Presidência da República (15 dos quais com poderes ditatoriais) -, classificado por Lula como uma das vítimas das "nossas elites", obviamente delas não poderia fazer parte.

Mas a referência às pérfidas elites antipovo, ainda que contenha incorreções históricas, tem um objetivo político-eleitoral. Não deve ser apreciada pela consistência teórica, com a qual, aliás, o ex-sindicalista não está preocupado. O importante é criar, na imaginação popular, um inimigo perigoso, de feições nebulosas, que não se sabe exatamente quem é. Repetida à saciedade, a acusação cria uma verdade.

Se aumentar a tensão social e/ou os cargos públicos correrem risco de passar para os adversários, uma nova categoria política poderia ser criada pelas alas petistas mais à esquerda: a de inimigo do povo. Mas para os novos-ricos que ascenderam sob as asas do ex-metalúrgico agitar a bandeira antielite traz a vantagem suplementar de ocultar a própria ascensão, isto é, fazer parte da elite sem parecer, sonho de todo político nesta época de democracia de massas.

Acontece que a popularização da composição da classe política e da elite no poder, ou seja, a ascensão de lideranças originárias das camadas médias, está fazendo menos convincentes e eleitoralmente pouco rendoso culpar as "nossas elites". Uma larga parcela dos ricos e poderosos está aliada ao PT. O presidente Lula poderia chamá-los de companheiros. A elite política brasileira, a alta cúpula do governo, dos que mandam e ocupam posições estratégicas na máquina governamental, é formada hoje pelos políticos, intelectuais de esquerda, apparatchiks, militantes e sindicalistas do PT. A maioria entrou para a política pelo trampolim de poderosos sindicatos da estrutura corporativa fascista, do catolicismo "progressista", das igrejas evangélicas, das ONGs e de outras organizações que servem de passagem para a classe política e dela para as instâncias de poder e ampliação do patrimônio. Na Câmara dos Deputados, para dar um exemplo, os ex-sindicalistas têm ocupado, nas últimas eleições, cerca de 10% das cadeiras.

Do ângulo socioprofissional, os componentes da nova classe ascendente dos políticos profissionais vêm dos segmentos das classes médias de nível relativamente alto de escolaridade, em que avultam os professores do ensino elementar e médio da rede pública, os bancários e técnicos, os servidores públicos e empregados do Estado, setores que poderíamos incluir - com a imprecisão habitual do conceito - nas classes médias-médias, a classe C. Não vêm tipicamente das camadas mais pobres que não dispõem de nível educacional que lhes possibilite passar de eleitor a eleito, ou seja, "entrar para a política". Seriam as classes D e E, com as quais os políticos da classe C, na disputa pelo voto dos pobres, têm mais facilidade de comunicação do que os das classes A e B.

Para captar o fenômeno da popularização da classe política e do declínio das elites tradicionais basta considerar os três principais competidores ao cargo máximo de presidente da República (duas mulheres). Todos vieram de fora da elite política tradicional. Marina Silva é quem veio mais de baixo. O pai era seringueiro. Alfabetizou-se aos 16 anos. José Serra é filho de feirante, imigrante italiano. Dilma Rousseff vem de uma família de classe média alta, mas não tradicional: o pai era engenheiro, nascido na Bulgária. Todos os três obtiveram diploma de nível universitário. Embora hoje possam ser classificados como membros da elite política, nenhum teve origem na própria elite. Entraram na política pela porta da esquerda, como é comum ocorrer com os pré-políticos de classe média e baixa que estão procurando entrar para a vida pública.

Não seria necessário ressaltar que grandes empresas e políticos de alta renda continuam a ter muito peso no interior dos órgãos de poder e da classe política. Ainda que o espaço que ocupavam no sistema decisório se tenha reduzido, as camadas empresariais continuam sendo uma peça importante na arena política. Talvez estejam mais participantes do que nunca, por meio, também, do financiamento dos candidatos de classe média e classe popular empenhados em ascender. Acontece que a popularização e a democratização marcham junto com a elevação astronômica dos custos das campanhas eleitorais. Esses custos se tornaram muito mais elevados do que na época do poder oligárquico, em que poucos votavam. Os ex-plebeus recém-chegados à classe política são, pois, forçados a recorrer às doações dos grandes financiadores de campanhas. A democracia de massas não elimina a influência do grande capital, das grandes empreiteiras e do sistema financeiro, particularmente. Expulsos pela porta, voltaram pela janela.


O resultado hoje é uma elite política heterogênea. Políticos das velhas oligarquias, que seriam a expressão mais típica das "nossas elites", confraternizam com os ex-plebeus ascendentes, os primeiros geralmente nos partidos ditos de direita, os segundo nos partidos ditos de esquerda.

Assim, a denúncia demagógica contra as nossas elites, mesmo que continue a habitar o discurso petista, tende a soar cada vez mais falsa, não só porque as classes altas tradicionais não têm mais o monopólio do poder político, como também porque as altas chefias petistas passaram a fazer parte da elite."

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Eleições 2010

Ainda sobre a entrevista de Dilma, trecho da análise de Míriam Leitão, no site de O Globo:


Em nome dos fatos
"Inflação fora de controle quem enfrentou foi o Plano Real. O acumulado em 12 meses estava em 5.000% em julho de 1994. Quando a inflação subiu em 2002, no último ano do governo Fernando Henrique, pela incerteza eleitoral criada pelo velho discurso radical do PT, ficou em 12%.
Ela foi reduzida pelo instrumental que o PT havia renegado. Isso é a História. O resto é propaganda e manipulação.

O PT e o governo Lula têm dito que receberam o país com descontrole inflacionário e a candidata Dilma Rousseff repetiu isso na entrevista do Jornal Nacional. O interesse é mexer com o imaginário popular que lembra do tormento da inflação.

A grande vitória contra a inflação foi conquistada no governo Itamar Franco, no plano elaborado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, como todos sabem. Nos primeiros anos do governo FH houve várias crises decorrentes, em parte, do sucesso no combate à inflação, como a crise bancária.

Foi necessário enfrentar todas essas ondas para garantir a estabilização. Nada daquela luta foi fácil. A inflação havia derrotado outros cinco planos, e feito o país perder duas décadas.

Todos sabem disso. Se por acaso a candidata Dilma Rousseff andava distraída nesta época, o seu principal assessor Antonio Palocci sabe muito bem o que foi que houve. Ele ajudou a convencer os integrantes do partido a ter uma atitude mais madura e séria no combate à inflação.

O PT votou contra o Plano Real e fez oposição a cada medida necessária para consolidar a nova ordem. As ideias que o partido tinha sobre como derrotar a alta dos preços eram rudimentares.

Em 2002, a inflação subiu principalmente nos dois últimos meses, após a eleição. A taxa, que havia ficado abaixo de 6% em 2000, subiu um pouco em 2001 e ficou quase todo o ano de 2002 em torno de 7%. Em outubro daquele ano, o acumulado em 12 meses foi para 8,5%. Em novembro, com Lula eleito, subiu para 10,9% e em dezembro fechou em 12,5%.

É tão falso culpar o governo Fernando Henrique por aquela alta da inflação — de 12,5% repita-se, e não os 5.000% que ele enfrentou — quanto culpar o governo Lula pela queda do PIB do ano passado, que foi provocada pela crise internacional.

Recentemente, conversei com um integrante do governo Lula que, longe dos holofotes e da campanha, admitiu que essa aceleração final foi decorrente do fato de que a maioria dos empresários não acreditava que o governo Lula fosse pagar o preço de manter a estabilização.

Esse foi o mérito do PT. Foi ter contrariado seu próprio discurso, abandonado suas próprias propostas, por ter percebido o valor da estabilização.

Esse esforço foi liderado por Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A inflação entraria numa rota de descontrole que poderia até ter destruído o esforço feito durante os oito anos anteriores se o governo Lula tivesse persistido nas suas propostas.

A História foi essa e não a que a candidata Dilma Rousseff apresentou."

Eleições 2010

Dora Kramer analisa, no Estadão, a entrevista de Dilma no Jornal Nacional

"O problema já havia surgido de maneira tênue no debate da Band, mas na entrevista do Jornal Nacional ficou explícito: de agora em diante caberá a Dilma Rousseff dar explicações sobre as contradições do PT e do governo Luiz Inácio da Silva.

As cobranças serão feitas a ela e não a Lula, pois é a candidata e não o presidente quem estará presente às entrevistas e aos debates que daqui até a eleição dividirão a cena com o horário eleitoral de televisão e com as pesquisas de intenções de voto.

Do horário cuidam os marqueteiros, das pesquisas tratam os institutos, mas das respostas às perguntas feitas sem combinação prévia só os candidatos propriamente ditos podem se encarregar.

A tarefa não é fácil para nenhum deles; nem para o experiente José Serra, que sempre pode escorregar (como, aliás, já escorregou) diante de um questionamento mais incisivo ou desconfortável.

Muito mais difícil é para Dilma. Por escassez de traquejo e abundância de passivos.

Na Band a candidata saiu pela tangente das cobranças de desempenho feitas pelo adversário tucano. Na Globo procurou se equilibrar, mas não conseguiu responder satisfatoriamente.

Cobrada sobre resultados pífios no crescimento econômico face ao desenvolvimento de vizinhos e de companheiros na categoria emergentes, socorreu-se na herança maldita, culpando o governo Fernando Henrique e mentiu ao se referir a inexistente descontrole inflacionário em 2003.
Ouviu seu preparo profissional ser posto em questão pelo entrevistador - "a senhora está preparada?" -, que a indagou ainda sobre uma possível tutela por parte do presidente Lula. Não pôde confirmar nem renegar, mas em algum momento daqui em diante terá de responder.

Bem como precisará ser mais clara a respeito do dedo posto por Willian Bonner em cima da ferida: o PT errou quando insultava Sarney, Collor e Renan ou errou depois ao se aliar a eles?

"Antes o PT não tinha experiência, amadureceu no governo", respondeu Dilma.

Quer dizer, é "maduro", inevitável e indispensável juntar-se ao que há de pior - pelo critério do próprio PT - e, portanto, concluiu-se que, a depender dela, não há o menor risco de o nível melhorar.
Se não foi isso, o que então a candidata quis dizer? Nos próximos dois meses terá várias chances de explicar.
O fiador. Antonio Palocci tranquiliza o establishment a respeito de temas que provocam dúvida e suscitam receio.
Sobre a preponderância do PT nas decisões de governo sem Lula em cena, tem dito: o partido não tem vocação para atuar na administração. Prefere ficar distante e continuar defendendo algumas ideias das quais não se desgruda desde a fundação. Em miúdos: será o partido de um lado e o governo de outro.
Sobre a presença do PMDB no governo e seus conflitos com o PT: mais objetiva e interessada do que Lula no conteúdo das questões, Dilma sabe melhor como lidar com as dificuldades. Isso facilitará a administração dos mais que prováveis atritos entre PT e PMDB.

Sobre guinada à esquerda: tem ainda menos margem de manobra que Lula para quaisquer concessões. Se Lula teve de se aliar ao atraso, Dilma por mais razão dependerá de alianças, digamos, tradicionais.

Caneta. O PSDB conta com a eleição de Geraldo Alckmin no primeiro turno da eleição em São Paulo para ajudar o desempenho de José Serra no segundo.

Eleito governador, Alckmin teria muito mais facilidade para convencer os prefeitos do Estado a ajudar o tucano a se eleger presidente.

Vacina. Os tucanos mudaram os planos de começar o horário eleitoral com empate entre Dilma e Serra. Já dizem esperar que a pesquisa do Datafolha - para eles a única totalmente confiável - registre a dianteira da petista. Aguardam algo como cinco pontos porcentuais de frente."


Augusto Nunes analisa, em seu Blog na Veja, a entrevista de Dilma no Jornal Nacional:
"Até ser promovida a candidata, Dilma Rousseff só fez de conta que nunca foi contrária ao Plano Real. Há dois meses, começou a insinuar que o governo Lula pôde reconstruir o Brasil por ter, primeiro, liquidado a inflação. Na entrevista ao Jornal Nacional, dispensou-se de pudores: para justificar as anêmicas taxas de crescimento registradas nestes sete anos e meio, garantiu que o chefe herdou um país flagelado pela inflação sem controle.

Está claro que é a cabeça de Dilma que não tem controle, mas é improvável que tenha esquecido o que testemunhou já perto dos 50 anos. Como recordam até os feirantes amnésicos, a inflação selvagem se aproximava do índice mensal de 40% quando foi domada em meados de 1994 pelo Plano Real, concebido no governo Itamar Franco por uma equipe de economistas liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Comandado por Lula, e amparado em argumentos emprestados pela professora Maria da Conceição Tavares ao aluno Aloízio Mercadante, o melhor da turma dos piores, o PT se opôs com virulência à aprovação do plano. Comandado por Leonel Brizola, o PDT endossou a ideia de matar no berço as medidas que erradicaram a praga inflacionária. Dilma Rousseff endossou sem ressalvas a posição do partido a que foi filiada até ser atraída por uma proposta de emprego do PT.

Enjaulado abaixo de 1% ao mês durante oito anos, o monstro ameaçou acordar em novembro de 2002, contagiado pela excitação dos investidores internacionais com a vitória de Lula, O próprio Fernando Henrique Cardoso cuidou de tranquilizar os amedrontados, o presidente eleito reafirmou publicamente que manteria as diretrizes da política econômica e já em dezembro o índice caiu. Lula assumiu um país em ordem.

Com um sorriso de aeromoça, Dilma fuzilou a verdade diante de milhões de espectadores. Com a naturalidade de quem nunca viu nada de errado na expropriação do patrimônio alheio, protagonizou a tentativa de assalto, transmitida ao vivo, que tem por alvo a maior façanha de Fernando Henrique Cardoso. Cabe à oposição impedir a consumação do roubo. E cumpre a José Serra ordenar à adversária, com todas as letras e sem rapapés, que pare imediatamente de contar mentiras."

Lembrai-v0s de 2002 (e 2006)
Em outubro de 2002, selada a derrota do tucano José Serra para Luiz InácioLula da Silva, na eleição presidencial daquele ano, publiquei em O Estado de S. Paulo o artigo abaixo, sob o título "O limão na geladeira". Qualquer semelhança com a situação atual não será mera coincidência.
José Serra tinha um limão para fazer uma limonada. Preferiu guardá-lo na geladeira. O limão era Fernando Henrique Cardoso e seu governo.
E Serra acabou vitimado pela armadilha que ele próprio criou. Achou que o limão era azedo demais, menosprezou as qualidades do fruto, esqueceu-se de que uma boa limonada exige água pura, de preferência mineral sem gás, sem excesso de açúcar ou adoçante.
E o que fizeram insistentemente Lula, Garotinho, Ciro, José Maria e Rui Costa em suas campanhas? Demonizar o governo de que Serra participou e transformar o PSDB num limão de sabor insuportável.

O candidato oficial preferiu não contra-atacar. Insistiu na estratégia de que os eleitores não deveriam olhar para trás, mas para frente. Leu mal a passagem bíblica sobre a mulher de Ló. Em outras palavras, Serra parecia dizer que, também ele, não concordava com o modelo FHC que vigora no País desde a implantação do Plano Real.
"Esqueça FHC", alguém pode ter pensado que este teria sido o conselho de Nizan Guanaes, o festejado marqueteiro de Serra. Será mesmo? Quem conhece o Nizan sabe de sua imensa admiração e amizade por Fernando Henrique. Mas se foi Nizan quem aconselhou Serra a esquecer FHC, como a saída que restava para levar seu cliente à vitória, no mínimo cometeu um wishful thinking [em português, leia-se como uma possível racionalização de desejo].

O fato é que o candidato oficial não se deu ao trabalho de fazer um balanço dos anos FHC, em toda a sua campanha, tanto no primeiro como no segundo turno.
Será que os brasileiros têm na memória como era o País antes dos anos Fernando Henrique? Alguns milhões, certamente. Mas, outros tantos milhões não tiveram esta oportunidade durante a campanha eleitoral. Ao contrário, seduziram-se pelo discurso oposicionista, centrado na "mudança" e na demolição da obra do atual governo. E essa imagem se consolidou pela inação, para não dizer colaboração inconsciente, do candidato situacionista.

Não precisa ser marqueteiro para se saber que, numa campanha, a primeira tarefa é animar e consolidar os eleitores que são simpáticos ao candidato. Os admiradores de FHC não tiveram motivos para animar-se com a campanha serrista. Que dizer, então, da cúpula, da subcúpula, do médio e do baixo clero que compõem o governo de Fernando Henrique?
Lula acusou Serra de ser o político mais desagregador que ele conheceu. Era um discurso eleitoral, evidente. Mas juízo não muito diverso deve ter sido feito por gente do Planalto e da Esplanada dos Ministérios. Afinal, o candidato não a defendeu.
E José Serra tinha muito o que falar sobre o governo de Fernando Henrique.
Não mencionou sequer que o presidente havia recebido das Nações Unidas, e isso em pleno segundo turno, o Prêmio Mahbud ul Haq, entregue a líderes que mais contribuíram para o desenvolvimento social de seus países. No caso de Fernando Henrique, pelos avanços que conseguiu na educação, na saúde, na reforma agrária e na erradicação do trabalho infantil.

"Vamos ter saudades de muitos aspectos do governo Fernando Henrique Cardoso", escreveu o jornalista Márcio Moreira Alves a propósito da premiação. E fez essa confissão: "Terei saudades especialmente de dona Ruth, que, serena e discretamente, mudou a forma de o governo intervir na área social."
Não é pouca coisa. Mas Serra poderia também ter lembrado que, com FHC, a democracia brasileira consolidou-se, a estabilidade econômica foi mantida, o saneamento financeiro dos Estados e municípios foi conquistado, a farra com as finanças públicas foi barrada com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

E poderia lembrar, também, que o presidente enfrentou sucessivas crises econômicas externas, sem que o País soçobrasse, que pegamos um honroso terceiro lugar entre as nações mais favorecidas com investimentos externos diretos... Os defensores de FHC ficariam muito gratos por essas lembranças, que poderiam ser acrescidas de outras tantas, inclusive sobre a figura de gentil-homem do presidente.
Se o governo Lula der certo, será por causa da herança que recebeu; se der errado, é porque malbaratou-a.





terça-feira, 10 de agosto de 2010

Eleições 2010

Análises e opiniões sobre a entrevista de Dilma no Jornal Nacional, da Globo:

João Bosto Rabello, de O Estado de S. Paulo "
"O tempo é curto e, nesse sentido, reproduz o defeito dos debates: o candidato é atropelado por uma segunda pergunta antes de concluir a resposta à primeira. A boa notícia para a candidata Dilma Rousseff é que o critério será igual para os adversários que lhe sucederão a partir de hoje na bancada do Jornal Nacional.
A má notícia é que não conseguiu produzir boas respostas para velhas perguntas. Confrontada com reclamações ao seu estilo no governo – onde era acusada de maltratar subalternos – atribuiu – o à necessidade de cobrar metas e resultados. Rejeitou o presidente Lula como seu tutor, mas adotou suas respostas ao justificar as más companhias do partido nas alianças eleitorais: o poder amadureceu o PT. Donde se conclui que aliados como José Sarney, Fernando Collor, Jader Barbalho, entre os citados pelo apresentador William Bonner, representam evolução política.
E culpou o governo FHC pelo Brasil não crescer no governo Lula a taxas maiores que os vizinhos Uruguai e Bolívia, mais Índia e China."

Merval Pereira, em O Globo:

"Os partidos que apoiam a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff respiraram aliviados depois do debate da TV Bandeirantes. Na análise interna, a candidata inventada pelo presidente Lula havia passado por todos os testes na pré-campanha eleitoral: contato com o eleitor nas ruas, negociações políticas com os aliados nos estados, e erros corrigidos nos primeiros momentos da propaganda pela internet.
Faltava saber como se sairia num debate ao vivo com os demais candidatos, mesmo que a audiência fosse pequena.
A avaliação entre eles foi de que Dilma passou também nesse teste, não por ter ido bem no primeiro debate, mas por não ter sido o desastre que alguns temiam. "O empate foi bom para ela", avaliou o deputado Henrique Eduardo Alves, um dos principais líderes do PMDB.

Mesmo quando confrontado com a opinião generalizada de que o candidato da oposição, José Serra, vencera o debate na verdade, Henrique Eduardo Alves comentou: "Mas não foi uma derrota por nocaute, longe disso".
A mesma coisa pode-se dizer da participação da candidata oficial na bancada do Jornal Nacional ontem à noite, abrindo a série de entrevistas com os principais candidatos à Presidência da República.
Ao contrário do debate da Bandeirantes, Dilma Rousseff não gaguejou e foi bastante assertiva nas suas respostas, e só errou uma vez, quando colocou a Baixada Santista no Rio de Janeiro.

O problema é que disse uma série de inverdades, que passaram como fatos para os telespectadores.

Por exemplo, quando afirmou que os investimentos em saneamento na favela da Rocinha, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representam uma mudança de comportamento do governo federal.

Simplesmente, na Rocinha, não há nenhum investimento do PAC relativo a saneamento.

A candidata oficial também distorceu os fatos quando disse que o presidente Lula, ao assumir o governo, encontrou a inflação descontrolada.

Pura verdade, só que a explosão da inflação deveu-se ao "efeito Lula", isto é, ao temor dos mercados de que Lula vitorioso aplicasse tudo o que defendia e não mantivesse o rumo da economia.

Como ele fez justamente o contrário do que prometia, tudo voltou aos lugares.

A admissão de que o PT amadureceu no governo é uma maneira de fugir da acusação de incoerência, ao manter hoje alianças políticas com seus antigos adversários políticos.

E a metáfora da mãe cuidando da família ministerial, sendo dura quando é preciso para fazer as coisas andarem, é recorrente na candidata, e embora revele uma pobreza de visão política, pode ser eficiente em termos eleitorais."

Reinaldo Azevedo, em seu Blog na revista Veja:
"Escrevi ontem, para protestos de alguns, que a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, teve um bom desempenho no Jornal Nacional. “Bom desempenho”, evidentemente, não significa concordância com algumas das barbaridades que ela disse. Significa apenas que, para quem tinha vindo do desastroso debate da Band, ela se segurou bem. Mais: parte das perguntas de William Bonner e de Fátima Bernardes, e não estou inferindo compadrio, foi útil para a candidata. No texto de ontem, expliquei por quê. Ela utilizou com razoável desenvoltura o que aprendeu no treinamento intensivo que vem fazendo. Talvez já dê para extrair uma regra: é a presença dos adversários, em especial do tucano José Serra, que a desequilibra. Por isso, sempre que pode, foge do efeito comparação.

A minha análise limitou-se ao efeito que pode ter tido a entrevista. Meu compromisso com os leitores é a verdade — dizendo sempre o que penso. Acredito que o resultado tenha sido positivo para ela, o que não quer dizer que suas respostas resistam a um confronto com os fatos. Mas quantos vão examinar no detalhe o que ela disse? Dilma explicou assim a aliança do PT com patriotas como Jáder Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor:
“Acho que o PT não tinha tanta experiência, sabe, Bonner?, eu reconheço isso. Ninguém pode achar que um partido como o PT, que nunca tinha estado no governo federal, tem, naquele momento, a mesma experiência que tem hoje. Acho que o PT aprendeu muito, mudou, porque a capacidade de mudar é importante.”

Submetida a sua resposta ao apuro lógico, ficamos, então, sabendo que o PT só repudiava aquelas flores da política brasileira por… falta de experiência. Quando ficou mais sabido, resolveu se aliar a esses professores de educação moral e cívica. Entende-se ainda, de sua resposta, que foi esse notável encontro que garantiu as conquistas sociais que ela elencou no programa. É uma sandice, um despropósito? É, sim!
Cassetete e MST
Todos sabem que a arruaça promovida pelo sindicato de professores da rede oficial de ensino em São Paulo contou com o irrestrito apoio do PT. Sua comandante foi Bebel, a presidente da entidade, que estivera num encontro eleitoral com Dilma um dia antes das manifestações de rua. A greve atingiu 2% ou 3% da categoria, mas os tontons-maCUTs se organizaram para o confronto com a polícia. A manifestação foi tão escancaradamente eleitoral que a moça foi multada pelo TSE. Pois bem, Dilma aludiu ontem àquele confronto claramente orquestrado — é um método: provocam o enfrentamento para depois lamentá-lo — dizendo que ele não trata movimento social com cassetete. Muito bem. Era a hora, acho, de encaixar uma boa questão: e botar na cabeça o boné do MST, que destrói plantações, mata o gado, depreda fazendas? Isso pode? Qual é a função do poder público? Manter a ordem ou incentivar a desordem? Sem contar que não seria descabido indagar se Dilma acha legítimo que um partido se associe a um sinidcato para combater um governo de estado.
Num dado momento da entrevista, Dilma, que havia feito o elogio das alianças com Sarney e Collor, afirmou que Lula chegou ao governo com a inflação fora do controle, o que é, obviamente, uma piada. Inflação descontrolada, aí sim, era aquela das gestões Sarney e Collor, os aliados de agora. FHC? Ora, foi o homem que debelou a inflação na contramão da militância petista, que se opôs ao Plano Real e a algumas das medidas que foram pilares da estabilidade, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Caberia lembrar tais incoerências?
Questões espinhosas como os dossiês contra Serra; a relação com o Irã; as gritantes deficiências de infra-estrutura do país, especialmente aeroportos, portos e estradas federais; o inchaço da máquina pública; o caso Lina Vieira; a explosão de gastos com custeio, tudo isso ficou de lado. Dez minutos, em TV, é tempo pra chuchu, mas muito pouco se considerarmos a quantidade de coisas que cabe a um candidato responder. Acho que essa pauta seria melhor do que aquela porque diz respeito ao aporte ético do governo a que Dilma promete dar continuidade e ao futuro do país. E não estou me pondo como juiz da entrevista conduzida por William e Fátima. Lembro apenas que há questões com as quais a petista ainda tem de ser confrontada na TV, inclusive nos debates — por jornalistas e pelos seus adversários."

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Anos 60 - David McWilliams

The days of Pearly Spencer

Sobre os empréstimos de um banco público

Texto do principal editorial de O Estado de S. Paulo desta segunda-feira (09/08/10), sob o título "A Indústria e o BNDES":

No que tem de mais consistente, o manifesto publicado nos principais jornais do País por 12 associações industriais, para defender o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) das críticas que tem recebido por sua forma de atuação, não apenas reconhece, como acrescenta fundamento à essência dessas críticas. "Configura um subsídio", diz explicitamente o manifesto, o fato de o governo tomar dinheiro emprestado a determinada taxa de juros e o repassar a uma taxa menor para o BNDES, que o utiliza para financiar as empresas, também a juros baixos.


Quanto às demais críticas a operações recentes do BNDES, o documento das associações empresariais ligadas à indústria nada diz. Limita-se a acusar os críticos, identificados como "os que sempre defenderam as ideias do pensamento econômico que prevaleceu nas últimas décadas, que levou o mundo à maior crise econômica dos últimos 80 anos". O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) - uma das signatárias do manifesto -, José Ricardo Roriz, foi mais direto. Segundo ele, as críticas são "uma campanha orquestrada pelos bancos privados".

Deliberada ou não, trata-se, certamente, de uma grande confusão do dirigente empresarial. Pode até haver interesse de bancos privados nas críticas à atuação do BNDES. Certamente não há regência. O que se busca com essas críticas não é reduzir o importante papel do BNDES no apoio aos investimentos produtivos, mas levá-lo - e ao governo que o sustenta - a demonstrar com absoluta clareza qual o interesse público de suas operações e, sobretudo, o custo delas para o contribuinte.

As associações reconhecem que, como os recursos repassados ao BNDES custam ao Tesouro juros iguais à Selic (atualmente em 10,25% ao ano) e esta é maior que a TJLP (custo médio dos financiamentos concedidos pelo banco, de 6% ao ano), "há, nessa operação de incentivo ao investimento, uma diferença a ser paga pelo Tesouro, o que configura um subsídio".

Não é um custo pequeno. No ano passado, o Tesouro repassou R$ 100 bilhões ao BNDES e, em 2010, mais R$ 80 bilhões. "Reconhecemos que o desembolso feito pelo Tesouro é um custo para a sociedade", diz o manifesto. "Portanto, é indispensável que ela tenha conhecimento disso e decida se quer ou não continuar pagando a conta." É exatamente o que os críticos estão exigindo, mas a sociedade não foi consultada sobre isso e nem sabe quanto está pagando por essas operações.

Em outro trecho, o documento afirma que o BNDES não subsidia a compra de empresas nem escolhe vencedores, e argumenta que são as empresas, algumas associadas às signatárias do documento, que procuram o banco. "Se preencherem os requisitos necessários, recebem o apoio aos seus projetos", diz. Recentemente, o banco financiou operações bilionárias de empresas de grande porte, de aquisição de companhias estrangeiras, que não resultaram em novos empregos ou novos investimentos produtivos no País. O banco também financiou vultosas operações da Petrobrás, empresa que, por seu porte e por seu histórico financeiro, poderia captar no mercado internacional os recursos de que necessitava, o que permitiria ao BNDES apoiar mais empresas brasileiras interessadas em investir.

Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostrou que as empresas paulistas reclamam das garantias exigidas e do excesso de burocracia nas operações do BNDES, e 37% das 318 indústrias consultadas deixaram de investir por não disporem de recursos próprios suficientes e não conseguirem acesso aos créditos do banco estatal.

"É preciso atender empresas de menor porte que, ao contrário dos grandes conglomerados, não têm acesso ao mercado de capitais, mas têm grande importância para a economia nacional", disse ao Estado (1/8) o diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, e também presidente da Abiplast, signatária do documento dos industriais de apoio ao BNDES, José Ricardo Roriz.

Quanto à necessidade de investimento, que o manifesto defende, ninguém é contra - desde que o apoio do BNDES e seu custo sejam mais claros.




Sobre paternidade

O caso José Alencar

Extraído do Blog de Ricardo Noblat:
"...Alencar responde desde 2001 a processo de investigação de paternidade na Vara Civil de Caratinga, Minas Gerais. Ali quando era rapaz conheceu Francisca Nicolino de Morais, de apelido Tita, uma enfermeira de 26 anos, e com ela manteve um relacionamento amoroso entre 1953 e 1955.

Segundo testemunhas ouvidas pelo juiz José Antônio Cordeiro, os dois se viram pela primeira vez nas dependências do Clube Municipal da cidade. Passaram então a se encontrar em média três vezes por semana. E às quartas-feiras dormiam juntos na casa de Tita. O namoro era público.

Aos sábados, o casal podia ser encontrado no clube ou no Bar do Geraldo Pereira. Aos domingos, dançando no Bar da Zica.

Alencar chegou a pagar o aluguel da casa de Tita e ajudou-a com outras despesas. Até que Tita engravidou e deu à luz a Rosemary em 1955. O relacionamento acabou. Ao completar 42 anos, Rosemary soube por Tita quem seria seu pai.

Ela aproveitou uma visita de Alencar a Caratinga em 1998 para dizer-lhe que era sua filha. Na ocasião, Alencar teria comentado que resolveria tudo. Não o fez.

Rosemary foi à Justiça e pediu para ser reconhecida como filha dele. Uma vez aberto o processo, os advogados de Alencar tentaram extingui-lo por meio de sucessivos recursos.

Ouvido em juízo, Alencar negou ter tido qualquer relacionamento com Tita e acusou-a de freqüentar “a zona do meretrício” de Caratinga. “Como profissional, oferecia-se a quem a pagasse por seus préstimos”, disse.

Ao comentar o caso em “Programa do Jô” da semana passada, insistiu Alencar: “Todo mundo que foi à zona pode ser pai”.

Por duas vezes, o juiz Antônio Cordeiro marcou dia, hora e local para que Alencar se submetesse a exame de DNA. Em vão. Os advogados dele conseguiram suspender o exame.

A Jô, Alencar insinuou que está sendo vítima de chantagem econômica e garantiu que o exame de DNA “não é 100% seguro”. De fato, não é. A margem de acerto do exame é de apenas 99%.

Diz o artigo 2 da Lei 8.560/90: “Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA – gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”.

Com base na recusa de Alencar em fazer o exame de DNA, no conjunto de provas recolhidas e em jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o juiz decidiu em 21 de julho passado que “a investigante” passe a se chamar Rosemary de Morais Gomes da Silva, filha de Francisca Nicolino de Morais, a Tita, e de José Alencar Gomes da Silva.

Somente uma pessoa, a pedido de Alencar, apresentou-se à Justiça para dizer que Tita era prostituta.

O delicado estado de saúde de Alencar, que luta há 13 anos contra um câncer, não lhe confere imunidade para agredir grosseiramente o bom senso.

Se permanece apto a assumir a presidência da República na ausência do seu titular era de se imaginar que conservasse intacta sua capacidade de avaliar bem os fatos.

Fernando Collor, Orestes Quércia e Michel Temer, por exemplo, são políticos que reconheceram filhos de relações extraconjugais.

Paulo Maluf fez questão de se submeter a exame de DNA para provar que não era pai de uma menina de nove anos. E provou. Fernando Henrique Cardoso é um caso à parte.

Teve um filho com a jornalista Miriam Dutra pouco antes de se eleger presidente. Havia se relacionado com ela por anos.

Procurados por jornalistas, os dois sempre negaram que Tomas fosse filho de quem é. "Nem o pai dele tem certeza que é o pai", confidenciou Míriam a um amigo certa vez.

Mas Fernando Henrique ajudou a sustentar o filho, recebeu-o várias vezes discretamente no Palácio do Planalto, visitou-o na Europa e o reconheceu em cartório de Madri logo depois da morte de dona Ruth Cardoso, sua mulher.

Alencar não é bronco. Mas esse episódio fez emergir uma face dele até aqui desconhecida. Uma face rude, cruel e mesquinha. Muito diferente da outra que comove o país há anos."

sábado, 7 de agosto de 2010

Eleições 2010

O debate na Band, na análise de Merval Pereira, em O Globo:

"O clima morno, quase anestesiante, imposto ao debate da TV Bandeirantes pelos dois principais concorrentes à Presidência da República, na noite gélida de quinta-feira em São Paulo, parece ter sido fruto de um acordo de bastidores, pois interessava aos dois lados.

O tucano José Serra, com maior domínio cênico pelo hábito de participar de debates televisivos e pela própria experiência em campanhas, saiu-se melhor, mas não se arriscou a procurar um nocaute da sua contendora, talvez contando que ela se enrolasse nos próprios erros — o que realmente aconteceu, mas não ao ponto de inviabilizá-la.

A candidata oficial Dilma Rousseff estava nervosa, dava para sentir na abertura do debate, mas terminou razoavelmente bem, com algum controle da situação que lhe permitiu até ser irônica a certa altura, quando disse que "não achava prudente" esquecer o passado, numa alusão ao governo FHC.

Mas houve quem cronometrasse: Dilma levou uma hora e meia para falar pela primeira vez em Lula. Nos bastidores, a questão era uma só: o que estava por trás desse aparente esquecimento?

A resposta era dada pelos próprios petistas. Dilma queria marcar uma imagem de independência.

Mas no encerramento, que pode ser considerado bom para seus objetivos, foi quando falou mais longamente da experiência de trabalhar com seu líder Lula, e chegou a demonstrar toda a veneração que nutre por aquele que está lhe dando a chance de uma vida.

Para seus seguidores, não deve ter sido constrangedor tamanha submissão.

A jornalista Olga Curado, responsável pelo media training de Dilma, tem o que comemorar: sua pupila está aprendendo.

Mas como ficou claro que ainda tem muito a aprender, Olga pode ficar tranquila que tem emprego garantido pelo resto da campanha.

A indecisão inicial de Dilma, e mais a radicalização do candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, provocaram um comentário maldoso que o dirigente do Partido Verde Alfredo Sirkis atribuía a um presente não identificado, provavelmente para não assumi-lo diretamente: "O Plínio está gagá e a Dilma, gaga".

De fato, a candidata de Lula chegou a gaguejar em vários momentos do debate, principalmente no início, quando teve dificuldades de começar a falar, deixando um silêncio no ar que pareceu demorar vários minutos.

Já o candidato do PSOL resolveu assumir o papel de "macaco em casa de louças". Plínio quer se apresentar como alternativa, mas, com posições políticas mais à esquerda do que o PSTU, não parece uma possibilidade real de poder.

Plínio foi ao debate para afirmar sua posição socialista, e parecia ter entrado na máquina do tempo para voltar à época em que foi um dos fundadores do PT.

Atingiu o auge da dessintonia com a realidade quando, dirigindo-se às câmeras, chamou a atenção para algum fato "de você camponês que nos vê".

Passava da meia-noite, e nem mesmo o trabalhador paulistano que tem televisão devia estar sintonizado no debate da "Bandeirantes", que terminou com cerca de 2% de audiência.

Imagine o camponês do Plínio, a quem ele anunciava que seu projeto de impedir propriedades privadas de mais de mil hectares provocaria uma farta distribuição de terras para os pequenos lavradores.

O interessante é que todos os candidatos discordaram da proposta do PSOL, mas não houve nenhum que tivesse a coragem de explicitar que a medida destruiria o agronegócio brasileiro, o grande sustentáculo da economia do país.

Paradoxalmente, depois do debate Plínio aderiu ao Twitter, modernizando a maneira de divulgar suas ideias antigas. Virou uma febre no Twitter, e corre o risco de se transformar no Cacareco moderno.

A radicalização de Plínio favoreceu Dilma, que pode se colocar como uma moderada diante daquela série de propostas radicais anacrônicas, mas prejudicou a candidata verde Marina Silva, que não encontrou seu espaço entre PT e PSDB para se apresentar como uma alternativa viável.

Serra saiu-se bem, sem parecer arrogante ou querer sobressair-se muito, contido de maneira pensada. Em algumas ocasiões, no entanto, não conseguiu disfarçar o menosprezo pelo que diziam seus adversários.

Ficava de costas para eles, olhando para a plateia, mas para sua sorte as regras do debate não permitiam que as câmaras mostrassem a reação dos candidatos quando alguém estava falando.

Serra conseguiu defender o governo de Fernando Henrique Cardoso sem prejudicar sua intenção de falar mais do futuro do que do passado, e mesmo quando Dilma falou do número de empregos criados no governo Lula em comparação com os do governo FHC, não houve dano para o tucano, que conseguiu colocar os números dentro do contexto da economia internacional.

Dilma, no entanto, demonstrou claramente que encaixara um golpe ensaiado com o marqueteiro João Santana. Fora do alcance das câmeras, ela sorriu com malícia para seus assessores logo depois de citar os números.

Entre os assessores estava o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que acabou virando tema de uma das melhores intervenções de Serra, que lembrou que Palocci elogiava a política econômica tucana quando ministro.

Serra escorregou feio quando se referiu a propriedades de 80 hectares na reforma agrária do Chile como sendo, no Brasil, de "chácaras de fim de semana".

Em que mundo o candidato José Serra vive, em que as "chácaras de fim de semana" têm 800 mil metros quadrados?"

Ainda sobre o debate, a análise de Míriam Leitão, em seu Blog:
"Serra venceu o debate da Band. Por pontos. Não foi a vitória forte que poderia ter sido, pela experiência que tem. Foi simpático, o que raramente tinha conseguido. Dilma administrou o risco, evitou o escorregão temido, atacou pontos fracos do adversário, mas passou insegurança. Marina perdeu a chance de se diferenciar, por excesso de bom mocismo. Plínio ganhou pontos com seu estilo de radical manso.

Dilma Rousseff tinha insegurança no tom de voz, na hesitação das respostas, em expressões que não significam nada, como “temos que ter garantias de sensibilidade”, e estourou o tempo quase sempre. Apesar disso, cresceu quando confrontou Serra na questão dos empregos criados. Serra desconversou, num dos seus piores momentos. Algumas análises são de que ela ganhou porque não teve um grande deslize. Discordo da ideia de que evitar o pior seja ganhar. Mas ela tem chances de vir mais forte nos próximos debates. Dilma estava bem fisicamente. Escolheu a roupa certa. A plástica, o botox, o novo visual do cabelo e a recuperação da saúde a deixaram com expressão mais suave, bonita e elegante, tirando o ar sempre carrancudo de quando era ministra, que reforçava a fama criada pelo temperamento difícil. Mas poucas vezes assumiu postura presidencial. Frequentemente se colocava como interposta pessoa: a que representa o outro, o ausente presidente Lula.

José Serra tentou amenizar a fama de temperamento também difícil exibindo mais simpatia do que consegue naturalmente. Teve um grande momento: quando encurralou Dilma na questão da Apae. A pergunta foi fácil de entender por qualquer telespectador, a entidade é conhecida e atrai empatia. Serra perguntou por que o governo Lula estava discriminando as Apaes. Dilma pareceu desconhecer a que ele se referia. Ficou à deriva, deu resposta fraca como: “não é muito correto dizer que nós não olhamos para essa questão.” Serra acusou o governo de ter cortado o auxílio de transporte para as entidades, disse que era uma crueldade, sugeriu que ela perguntasse ao ministro Fernando Haddad e acrescentou que o governo estava proibindo as Apaes de ensinar. Dilma disse que não podia concordar com a acusação e respondeu de forma genérica a uma pergunta que tinha acusações concretas.

Serra não soube o que dizer quando foi perguntado sobre as privatizações, ou quando perguntado sobre o saldo favorável ao governo Lula na criação de emprego. Essas perguntas seriam feitas, ele já sabia, e deveria ter estudado boas respostas. Para um país em que no período da telefonia privatizada o número de celulares pulou de um milhão para quase 200 milhões, ele poderia ter dito algo que não o colocasse na mesma situação de desconforto e escapismo que Geraldo Alckmin, em 2006. O que reduziu sua perda nessa pergunta foi o ataque aos Correios, ataque que vem fazendo desde o começo da campanha, e que ganha ar de veracidade porque o governo Lula acaba de trocar a direção da empresa.

Marina Silva, também bonita e elegante, respondeu bem à questão de que “as crianças hospitalizadas atrairiam menos atenção do que as árvores.” Mostrou com clareza que se trata de uma mesma luta ambiental: por preservação do meio ambiente e saneamento. O problema é que ela repetiu várias vezes a ideia de que houve avanços em ambos os governos, foi suave demais com Dilma, pareceu amiga de Serra e em nenhum momento conseguiu estabelecer uma diferença entre ela e os outros. Só conseguiria isso se atacasse diretamente. Ela sabe o quanto Dilma nas brigas internas do governo optou por decisões que ferem diretamente o meio ambiente. Sabe que Serra apresentou discurso ambiental de último momento. Era hora de mostrar o que na prática quer dizer quando afirma que só ela tem uma proposta de desenvolvimento para o século XXI. Quem está estagnado em terceiro lugar tem que ousar mais, atacar mais. Ela deixou Dilma falar impunemente frases como “sou contra qualquer medida que flexibilize o desmatamento”, quando o governo foi o inspirador da proposta que anistia os desmatadores. Seu melhor momento foi quando respondeu à pergunta sobre o crack, feita por Dilma. Provavelmente, Dilma fez a pergunta na suposição de que Marina fosse dizer generalidades, e ela, Dilma, poderia falar do programa que o governo apresentou recentemente. Marina reagiu e disse que o programa tinha sido apresentado pelo seu coordenador de segurança pública, Luiz Eduardo Soares, ao ministro Tarso Genro, e que a proposta dormiu na gaveta até as vésperas das eleições. Dilma não negou que tivesse sido assim.

Plínio de Arruda Sampaio, com fala mansa, se dirigindo diretamente ao telespectador, foi o inesperado. Passou a mensagem quando disse que os três candidatos eram gradações da mesma proposta e só ele era diferente. Mas não conseguiu dizer que ideias de fato tinha. Alguns refrãos sempre repetidos não tinham significado para além do gueto dele. De qualquer maneira, seu estilo franco sem agressividade atrai simpatias.

Ser o melhor em um debate ou ter tido alguns escorregões não definem uma eleição. É preciso uma hecatombe para fazer diferença. Mas os debates são um molho da democracia. E o da Band foi uma boa mistura de ingredientes indispensáveis ao processo de escolha."

over the raibow

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ave Palavra - Exemplares de textos admiráveis

Crônica de Nelson Rodrigues, intitulada "A frase", publicada no jornal O Globo, em 5/7/1968, e reproduzida no livro A cabra vadia - Novas confissões (Editora Agir, 2007):



Ah, o brasileiro mata e morre por uma frase. Nunca me esqueço de uma crônica dominical do Carlinhos de Oliveira. Terminava assim: - "A solidão do homem é um problema político." Era a chave de ouro. Antigamente, os poetas não a dispensavam. Soneto sem "chave de ouro" morria ao nascer e, repito, morria antes da primeira chupeta. Carlinhos não faz sonetos e, se os faz, não os publica. Mas é um parnasiano. E usa, nas suas crônicas, a perfeita, irretocável chave de ouro.

A mim interessa, e muito, o destino das frases. - "A solidão dos homens é um problema político." Saiu no domingo; e já no dia seguinte, segunda, alguém me perguntava: - "O que é que o Carlinhos quis dizer com isso?" Há um velho e obtuso preconceito, segundo o qual todas as frases querem dizer alguma coisa. Nem sempre. No caso do Carlinhos, nem ele nem a frase querem dizer rigorosamente nada.

E foi por isso que Carlinhos a fez, e foi por isso que Carlinhos a publicou. Mas certas frases vivem, precisamente, de mistério e de suspense. A nitidez seria fatal. "A solidão dos homens é um problema político.". Na pior das hipóteses, há uma melodia e o resultado auditivo basta. Mas entendo o drama do cronista. Os melhores autores têm suas três ou quatro frases encalhadas. É preciso aplicá-las. Mas onde e quando? O ideal seria que o Dr. Brito (José Nascimento Brito, diretor proprietário do Jornal do Brasil) pagasse e publicasse, no espaço da crônica, uma única e escassa frase. Ma tal não acontece.

O autor traz, no ventre, um romance. E quando trabalhávamos ambos com os Blochs (donos de publicações cariocas, como a extinta revvista Manchete) , o Carlinhos fez insinuações sobre uma "obra cicóplica" que

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Eleiçõs 2010 - Pesquisa CNT/Sensus

Análise de José Roberto de Toledo, extraída do Estadão online:

"O que mais chama a atenção na pesquisa CNT/Sensus não é o tamanho da vantagem de Dilma Rousseff (PT) sobre José Serra (PSDB). O que se destaca são as inconsistências internas do relatório.
Do alto percentual de voto dos nanicos à distribuição regional das intenções de voto dos principais candidatos, passando por um mistério na intenção de voto de Marina Silva (PV), há várias contradições nos cruzamentos da pesquisa.
Fato inédito, a CNT/Sensus encontrou intenção de voto espontânea maior do que na pergunta estimulada para os nanicos. Soma dos percentuais dos candidatos dos pequenos partidos na espontânea: 7%. Soma dos percentuais dos mesmos candidatos na estimulada: 4%.
A pergunta espontânea é a primeira feita aos entrevistados. Se o eleitor não souber o nome do seu candidato a presidente, não consegue responder. Por isso, invariavelmente os percentuais são menores do que na estimulada, quando o pesquisador mostra os nomes dos candidatos.
Exemplos do próprio Sensus: Dilma tem 30% na espontânea e 42% na estimulada, Serra tem 20% da espontânea e 32% na estimulada. Mas com os nanicos acontece um mistério: eles perdem eleitores de uma pergunta para outra, em vez de ganhar.
Zé Maria (PSTU) sai de 3% na espontânea para 2% na estimulada; Eymael (PSDC), de 2% para menos de 1%; Ivan Pinheiro (PCB), de 1% para quase zero. Ou seja, eleitores que surpreendentemente lembraram de seus nomes sozinhos, ao vê-los no disco mudam de ideia.
As contradições não ficam por aí. Marina tem 8,5% (o Sensus insiste em usar casas decimais, dando a impressão que a pesquisa, seja ela qual for, tem uma precisão inexistente) na pergunta estimulada.
Mais à frente no questionário, o entrevistador pergunta: “(…) em quem o sr.(a) votaria ou não votaria para presidente?” E dá quatro alternativas ao entrevistado: 1) É o único em que votaria; 2) poderia votar; 3) não votaria; 4) não conhece. Pois 11% dos eleitores responderam que Marina é a única em quem votariam.
Entre uma pergunta e outra, 2,5% dos eleitores mudaram de ideia e passaram a dizer que Marina é a única presidenciável em que votariam? Pode-se argumentar que a lista acoplada a esta pergunta não citava os nanicos. Mas, nesse caso, por que os percentuais de Dilma e Serra diminuíram (para 35% e 25%, respectivamente) em vez de crescer, como ocorreu com o de Marina?
Finalmente, a CNT/Sensus encontrou um empate técnico entre Dilma e Serra no Sul do país: 37% a 43%, respectivamente. Com apenas 291 entrevistas na região, a margem de erro máxima para o Sul é de quase 6 pontos percentuais. Ou seja: o tucano poderia ter 37% e a petista, 43%, que estariam dentro da margem.
O problema é que esse resultado contraria a série histórica de pesquisas, sem que tenha havido nenhum fato relevante que pudesse explicar uma ascensão fulminante de Dilma no Sul. Pior: outras pesquisas, com amostras muito maiores, como a feita pelo Ibope há poucos dias, apontam uma vantagem que varia de 11 a 16 pontos para o tucano nos três estados da região.
Todas essas inconsistências do relatório da CNT/Sensus não necessariamente invalidam os resultados globais da pesquisa. Pode ser que Dilma de fato tenha aberto 10 pontos de frente sobre Serra. Mas é mais prudente esperar o Ibope que sai nesta sexta para ter certeza."

Richard Wagner

Coro dos Peregrinos da ópera Tannhaüser

Wolfgang Amadeus Mozart

Andante do Concerto nº 21 para Piano e Orquestra

Caetano Veloso - No dia em que eu vim-me embora

Críticas e análises

Texto do artigo "Ministério da utopia", do sociólogo Demétrio Magnoli, em O Estado de S. Paulo:

Intelectuais tendem à utopia, pois ela precisa de uma descrição e eles são seus autores. Isaiah Berlin não está entre os filósofos mais célebres precisamente porque é um pensador antiutópico. "As utopias têm o seu valor - nada amplia de forma tão assombrosa os horizontes imaginativos das potencialidades humanas -, mas como guias da conduta elas podem se revelar literalmente fatais", anotou Berlin. As utopias almejam a completa realização de um conjunto de premissas, com a exclusão de todas as outras. É um caminho muito perigoso, "pois, se realmente acreditamos que tal solução é possível, então com certeza nenhum preço será alto demais para obtê-la".

A democracia constitui um sistema político avesso à utopia porque, por definição, rejeita atribuir estatuto de verdade incontestável a qualquer conjunto de premissas ideológicas. Os intelectuais utópicos têm um lugar na democracia - o de instigadores do debate público. Mas o sistema democrático de convivência de ideias contraditórias se estiola quando eles são alçados à posição de sábios oficiais e suas utopias são convertidas em verdades estatais.
Samuel Pinheiro Guimarães, até outro dia secretário-geral do Itamaraty, foi guindado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). No novo cargo, elaborou um documento intitulado O Mundo em 2022, ainda em versão preliminar, que circula no governo e no Itamaraty. Trata-se de um delineamento das tendências do sistema internacional, com propostas de políticas estratégicas do Brasil. Dito de modo direto, é a plataforma de uma utopia ultranacionalista, a ser aplicada num hipotético governo de Dilma Rousseff, que colide com os valores e as tradições da democracia brasileira.

Num texto escrito em português claudicante, o intelectual utópico expõe uma doutrina antiamericana que solicita uma curiosa articulação estratégica entre Brasil, Rússia, Índia e China "para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário". Os Brics, acrônimo cunhado no interior de um banco de investimentos, constituem um "bloco" apenas na acepção restrita de que seus integrantes passaram a influenciar a governança econômica global. Eles, porém, não compartilham interesses geopolíticos relevantes - uma evidência clamorosa que escapa por completo à percepção de Guimarães, moldada por um obsessivo antiamericanismo.
Os equívocos teóricos pouco significam, perto das prescrições políticas. Nostálgico do "Brasil-potência" dos tempos de Ernesto Geisel, Guimarães atribui ao Estado os papéis de "estimular o fortalecimento de megaempresas brasileiras (...) para que possam atuar no cenário mundial globalizado" e de conduzir um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de amplas implicações militares. Os significados desta última proposição podem ser entrevistos na passagem em que o autor define o Tratado de Não-Proliferação Nuclear como o "centro" de um processo ameaçador de "concentração de poder militar". A leitura do documento oferece indícios sugestivos para a compreensão da lógica subjacente à aproximação entre Brasil e Irã e à operação diplomática brasileira de cobertura do programa nuclear iraniano.

No programa ultranacionalista, ausências falam tanto quanto presenças. Ao longo de 54 itens, não há nenhuma menção aos direitos humanos. Não é surpreendente: um livro de Samuel Pinheiro Guimarães, publicado em 2006, qualificou a defesa dos "direitos humanos ocidentais" como uma forma de dissimular "com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das Grandes Potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos". A militância do governo Lula contra a política internacional de direitos humanos - expressa na ONU, em Cuba, no Irã, no Sudão, na China e em tantos outros lugares - não é um fenômeno episódico, mas reflete uma visão de mundo bem sedimentada. Lastimavelmente, as ONGs brasileiras de direitos humanos financiadas pela Fundação Ford trocaram a denúncia de tal militância pela aliança com o governo na difusão da doutrina dos "direitos raciais".

A utopia regressiva de Samuel Pinheiro Guimarães colide com a Constituição, que veta a busca de armas nucleares e situa a promoção dos direitos humanos no alto das prioridades de política externa do Brasil. Se a sua plataforma política aparecesse na forma de artigo, isso não seria um problema - e, talvez, nem mesmo uma fonte de debates interessantes. As coisas mudam de figura quando ela emerge como documento de Estado, produzido num Ministério encarregado de formular as diretrizes estratégicas do País.

O governo Lula exibe, sistematicamente, inclinação a partidarizar o Estado. A contaminação ideológica da política externa é uma dimensão notória dessa inclinação. Há, contudo, um antídoto contra a doença, que é a supervisão parlamentar das diretrizes estratégicas de política externa. Nos EUA, uma nação presidencialista como a nossa, as prioridades e os orçamentos do Departamento de Estado são submetidos ao crivo do poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, expressão do controle social, bipartidário, sobre uma política de Estado. O Senado brasileiro tem uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Entretanto, sua gritante ineficácia, que exprime uma carência quase absoluta de poder real, proporciona ao governo as condições para a continuidade da folia ideológica em curso.

A SAE foi concebida como uma jaula dourada para acomodar (e ridicularizar) Roberto Mangabeira Unger, quando ele aderia ao governo que definira como "o mais corrupto da história". Agora, sob Guimarães, a jaula transforma-se em linha de montagem de uma utopia ultranacionalista que funcionaria como a régua e o compasso da inserção internacional do Brasil. A Nação tem o direito inalienável de se proteger contra o Ministério da Utopia, sujeitando a política externa ao escrutínio democrático dos parlamentares.

O Brasil e os Direitos Humanos

Trecho da coluna de Merval Pereira, em O Globo:

A proposta oficial brasileira para que a ONU passe a tratar os países que violam os direitos humanos com mais condescendência, evitando críticas públicas aos regimes autoritários, revelada pelo "O Estado de São Paulo", se por um lado dá um ar de coerência à posição do governo brasileiro desde que Lula chegou ao poder, em 2002, por outro revela que, muito mais que decisões pragmáticas, se abster em votações contra Cuba com relação à violação dos direitos humanos ou mesmo votar contra uma condenação do governo do Sudão sobre Darfur, onde um conflito étnico matou mais de 200 mil pessoas, faz parte de uma política de Estado que o governo Lula vem adotando sem que a mudança tenha sido debatida pela sociedade.

Coreia do Norte, Irã, Sri Lanka são outras ditaduras que obtiveram do Brasil ultimamente posições conciliatórias quando foram acusados de abusos dos direitos humanos nos organismos internacionais.
A ONG Conectas Direitos Humanos já havia denunciado alteração no padrão de votação do governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, seguindo geralmente interesses políticos e comerciais.

Em relação à China, por exemplo, o Brasil mudou sua posição, votando a favor da >ita
Em situação similar em 2001, o governo brasileiro se abstivera de votar. Houve uma mudança também em relação à resolução que condenava a situação dos direitos humanos na Chechênia.

Da abstenção em 2001 e 2002, o governo brasileiro passou a votar explicitamente contra a condenação da Rússia em 2003 e 2004.

O padrão de votação parece seguir o interesse geopolítico e comercial do governo brasileiro, e não tem relação direta com o conceito de direitos humanos em si.

Sacações

Tiradas próprias e alheias

* Envelhecer é perceber limites, descobrir erros e pedir desculpas. Jorge Luiz Borges escreveu o seguinte: "A gente crê que o os anos passam para uns, mas passam também para os demais."
Paul Bowles, em seu livro Que venha a tempestade observou: "A vida não é um movimento de avanço e de recuo; nem mesmo do passado para o futuro, da juventude para a velhice, ou do nascimento para a morte. O todo da vida não é igual à soma de suas partes. É igual a qualquer uma de suas partes, não existe soma."
Não concordo.

* De Louis Ferdinand Céline, em seu romance Viagem ao Fim da Noite, na tradução de Rosa Freire D'Aguiar: "... as pessoas se viravam para trás e ficavam com pena dele, do cego. Elas têm muita pena, as pessoas, dos inválidos e dos cegos e pode-se dizer que têm amor em estoque. Há enormemente. Não se pode dizer que não. Só que é triste que elas continuem a ser assim tão ruins com tanto amor em estoque, as pessoas. A coisa não sai, é isso. Agarra-se lá dentro, permanece dentro, não lhes serve para nada. Elas morrem por dentro, de amor."

* De Luis Buñuel, em sua autobiografia Meu último suspiro: "O bar é um exercício de solidão. Antes de mais nada tem que ser tranquilo, muito confortável. Toda música, mesmo distante, deve ser severamente proscrita (contrariamente ao hábito infame que hoje em dia se propaga pelo mundo). Uma dúzia de mesas no máximo, se possível com frequentadores habituais pouco falantes."

* O silêncio é a reverência que a inteligência presta à sabedoria.

* Se há pessoas que não gostam de você, a culpa pode não ser delas.

* A principal característica do suspeito ´pe a sua obviedade. Todo suspeito se anuncia, seja pela presença de gestos ou por sua ausência quase total.

* Sê breve ser ser lacônico.

* Todo presente verdadeiro é passado, eu digo, parafraseando Jorge Luiz Borges, que disse que "todo presente verdadeiro é recíproco".

* Fuja de quem de taz o bem esperando na esquina.

* Do cineasta Domingos de Oliveira: Se juntar todos os escritores, não dá um Dostoievski, maior que Shakespeare, maior que todos.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Nico Fidenco

A casa d'Irene

STF: a saúde de Joaquim Barbosa

- Nota que está no Painel da Folha de S. Paulo:
"O presidente do STF, Cezar Peluso, disse a colegas que estuda a possibilidade de pedir uma perícia a respeito do estado de saúde de Joaquim Barbosa. O relator do mensalão, que sofre de problema crônico de coluna, está afastado desde abril. Agora, no retorno das férias do tribunal, pediu mais 60 dias de licença.
Sem Barbosa e com a aposentadoria de Eros Grau, o Supremo funciona no momento com apenas nove ministros, situação que produz sobrecarga de trabalho e atraso nos julgamentos. A perícia é um recurso previsto no artigo 70 da Lei Orgânica da Magistratura em casos de ausência prolongada. Em novembro passado, Barbosa renunciou à sua cadeira no TSE.

Eleições 2010

Está em O Estado de S. Paulo:

- Terceira versão do programa de governo de Dilma Rousseff elimina propostas polêmicas. Comando da campanha da candidata petista tira do texto tmas como controle da mídia e taxação de gransde fortunas; defende manutenção do 'tripé que está dando certo', ou seja, o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e o câmbio flutuante.



- Serra deve anunciar hoje, em Minas, que, eleito presidente, irá criar o Ministério da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência.



Aécio Neves reconhece que aliança petista em Minas atrapalha campanha de Serra. Ou seja, setores aecistas ligados ao governo Lula vêm trabalhando para a candidata petista, e não para o candidato tucano.



- Candidatos em alguns Estados tentam 'esconder' tucano. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o nome de Serra não aparece nas propagandas da candidta do DEM ao governo estadual, Rosalba Ciarlini.



Está na Folha de S. Paulo

- Pressionado por aliados, Serra deve pedir pessoalmente doações para sua campanha. Até agora, o candidato do PSDB diz ter recebido R$ 3,7 milhões, um terço do declarado por Dilma (R$ 11,6 milhões), e menos do arrecadado por Marina (R$ 4,6 milhões).



- Para aparecer na TV, Dilma inova e concede entrevista à imprensa, mostrada no Jornal Nacional, da Rede Globo, onde propôs ideias genéricas sobre educação.



- Serra abrirá horário eleitoral na TV, que3 começa dia 17. Dilma será a quinta a aparecer. TSE ainda não fez a distribuição do tempo que caberá a cada candidato.



Está em O Globo:

- Para sua campanha à reeleição, governador Sérgio Cabral (PMDB) já arrecadou R$ 4,7 milhões, 47 vezes a receita de Gabeira e mais que o obtido por Serra e Marina.



- Serra diz que arrecadação menor até agora preocupa.



- Michel Temer já fala em divisão do poder no eventual governo Dilma



- 'Eu não preciso de Lexotan', diz Dilma sobre debate na Band



- Nota que está na coluna Panorama Político: "O Ibope está em campo com uma nova pesquisa para as eleições estaduais em São Paulo. Nela, há duas perguntas que pretendem aferir o peso eleitoral do presidente Lula entre os paulistas. Uma elas quer saber se os entrevistados sabem que o presidente tem candidato e qual é ese nome. A outra pretende saber se o consultado prefere vota4r em alguém apoiado ou que faça oposição ao presidente da República."

Pitaco: faltou esclarecer se a pesquisa foi encomendada ou não pelo PT.



- Site tucano exibe direito de resposta obtido pelo PT, a propósito das acusações de Índio da Costa ligando petistas às Farc e ao narcotráfico.



- Presidente do TSE vota contra a verticalização. Julgamento é interrompido; partidos pressionam para que decisão seja revista.