sábado, 7 de agosto de 2010

Eleições 2010

O debate na Band, na análise de Merval Pereira, em O Globo:

"O clima morno, quase anestesiante, imposto ao debate da TV Bandeirantes pelos dois principais concorrentes à Presidência da República, na noite gélida de quinta-feira em São Paulo, parece ter sido fruto de um acordo de bastidores, pois interessava aos dois lados.

O tucano José Serra, com maior domínio cênico pelo hábito de participar de debates televisivos e pela própria experiência em campanhas, saiu-se melhor, mas não se arriscou a procurar um nocaute da sua contendora, talvez contando que ela se enrolasse nos próprios erros — o que realmente aconteceu, mas não ao ponto de inviabilizá-la.

A candidata oficial Dilma Rousseff estava nervosa, dava para sentir na abertura do debate, mas terminou razoavelmente bem, com algum controle da situação que lhe permitiu até ser irônica a certa altura, quando disse que "não achava prudente" esquecer o passado, numa alusão ao governo FHC.

Mas houve quem cronometrasse: Dilma levou uma hora e meia para falar pela primeira vez em Lula. Nos bastidores, a questão era uma só: o que estava por trás desse aparente esquecimento?

A resposta era dada pelos próprios petistas. Dilma queria marcar uma imagem de independência.

Mas no encerramento, que pode ser considerado bom para seus objetivos, foi quando falou mais longamente da experiência de trabalhar com seu líder Lula, e chegou a demonstrar toda a veneração que nutre por aquele que está lhe dando a chance de uma vida.

Para seus seguidores, não deve ter sido constrangedor tamanha submissão.

A jornalista Olga Curado, responsável pelo media training de Dilma, tem o que comemorar: sua pupila está aprendendo.

Mas como ficou claro que ainda tem muito a aprender, Olga pode ficar tranquila que tem emprego garantido pelo resto da campanha.

A indecisão inicial de Dilma, e mais a radicalização do candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, provocaram um comentário maldoso que o dirigente do Partido Verde Alfredo Sirkis atribuía a um presente não identificado, provavelmente para não assumi-lo diretamente: "O Plínio está gagá e a Dilma, gaga".

De fato, a candidata de Lula chegou a gaguejar em vários momentos do debate, principalmente no início, quando teve dificuldades de começar a falar, deixando um silêncio no ar que pareceu demorar vários minutos.

Já o candidato do PSOL resolveu assumir o papel de "macaco em casa de louças". Plínio quer se apresentar como alternativa, mas, com posições políticas mais à esquerda do que o PSTU, não parece uma possibilidade real de poder.

Plínio foi ao debate para afirmar sua posição socialista, e parecia ter entrado na máquina do tempo para voltar à época em que foi um dos fundadores do PT.

Atingiu o auge da dessintonia com a realidade quando, dirigindo-se às câmeras, chamou a atenção para algum fato "de você camponês que nos vê".

Passava da meia-noite, e nem mesmo o trabalhador paulistano que tem televisão devia estar sintonizado no debate da "Bandeirantes", que terminou com cerca de 2% de audiência.

Imagine o camponês do Plínio, a quem ele anunciava que seu projeto de impedir propriedades privadas de mais de mil hectares provocaria uma farta distribuição de terras para os pequenos lavradores.

O interessante é que todos os candidatos discordaram da proposta do PSOL, mas não houve nenhum que tivesse a coragem de explicitar que a medida destruiria o agronegócio brasileiro, o grande sustentáculo da economia do país.

Paradoxalmente, depois do debate Plínio aderiu ao Twitter, modernizando a maneira de divulgar suas ideias antigas. Virou uma febre no Twitter, e corre o risco de se transformar no Cacareco moderno.

A radicalização de Plínio favoreceu Dilma, que pode se colocar como uma moderada diante daquela série de propostas radicais anacrônicas, mas prejudicou a candidata verde Marina Silva, que não encontrou seu espaço entre PT e PSDB para se apresentar como uma alternativa viável.

Serra saiu-se bem, sem parecer arrogante ou querer sobressair-se muito, contido de maneira pensada. Em algumas ocasiões, no entanto, não conseguiu disfarçar o menosprezo pelo que diziam seus adversários.

Ficava de costas para eles, olhando para a plateia, mas para sua sorte as regras do debate não permitiam que as câmaras mostrassem a reação dos candidatos quando alguém estava falando.

Serra conseguiu defender o governo de Fernando Henrique Cardoso sem prejudicar sua intenção de falar mais do futuro do que do passado, e mesmo quando Dilma falou do número de empregos criados no governo Lula em comparação com os do governo FHC, não houve dano para o tucano, que conseguiu colocar os números dentro do contexto da economia internacional.

Dilma, no entanto, demonstrou claramente que encaixara um golpe ensaiado com o marqueteiro João Santana. Fora do alcance das câmeras, ela sorriu com malícia para seus assessores logo depois de citar os números.

Entre os assessores estava o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que acabou virando tema de uma das melhores intervenções de Serra, que lembrou que Palocci elogiava a política econômica tucana quando ministro.

Serra escorregou feio quando se referiu a propriedades de 80 hectares na reforma agrária do Chile como sendo, no Brasil, de "chácaras de fim de semana".

Em que mundo o candidato José Serra vive, em que as "chácaras de fim de semana" têm 800 mil metros quadrados?"

Ainda sobre o debate, a análise de Míriam Leitão, em seu Blog:
"Serra venceu o debate da Band. Por pontos. Não foi a vitória forte que poderia ter sido, pela experiência que tem. Foi simpático, o que raramente tinha conseguido. Dilma administrou o risco, evitou o escorregão temido, atacou pontos fracos do adversário, mas passou insegurança. Marina perdeu a chance de se diferenciar, por excesso de bom mocismo. Plínio ganhou pontos com seu estilo de radical manso.

Dilma Rousseff tinha insegurança no tom de voz, na hesitação das respostas, em expressões que não significam nada, como “temos que ter garantias de sensibilidade”, e estourou o tempo quase sempre. Apesar disso, cresceu quando confrontou Serra na questão dos empregos criados. Serra desconversou, num dos seus piores momentos. Algumas análises são de que ela ganhou porque não teve um grande deslize. Discordo da ideia de que evitar o pior seja ganhar. Mas ela tem chances de vir mais forte nos próximos debates. Dilma estava bem fisicamente. Escolheu a roupa certa. A plástica, o botox, o novo visual do cabelo e a recuperação da saúde a deixaram com expressão mais suave, bonita e elegante, tirando o ar sempre carrancudo de quando era ministra, que reforçava a fama criada pelo temperamento difícil. Mas poucas vezes assumiu postura presidencial. Frequentemente se colocava como interposta pessoa: a que representa o outro, o ausente presidente Lula.

José Serra tentou amenizar a fama de temperamento também difícil exibindo mais simpatia do que consegue naturalmente. Teve um grande momento: quando encurralou Dilma na questão da Apae. A pergunta foi fácil de entender por qualquer telespectador, a entidade é conhecida e atrai empatia. Serra perguntou por que o governo Lula estava discriminando as Apaes. Dilma pareceu desconhecer a que ele se referia. Ficou à deriva, deu resposta fraca como: “não é muito correto dizer que nós não olhamos para essa questão.” Serra acusou o governo de ter cortado o auxílio de transporte para as entidades, disse que era uma crueldade, sugeriu que ela perguntasse ao ministro Fernando Haddad e acrescentou que o governo estava proibindo as Apaes de ensinar. Dilma disse que não podia concordar com a acusação e respondeu de forma genérica a uma pergunta que tinha acusações concretas.

Serra não soube o que dizer quando foi perguntado sobre as privatizações, ou quando perguntado sobre o saldo favorável ao governo Lula na criação de emprego. Essas perguntas seriam feitas, ele já sabia, e deveria ter estudado boas respostas. Para um país em que no período da telefonia privatizada o número de celulares pulou de um milhão para quase 200 milhões, ele poderia ter dito algo que não o colocasse na mesma situação de desconforto e escapismo que Geraldo Alckmin, em 2006. O que reduziu sua perda nessa pergunta foi o ataque aos Correios, ataque que vem fazendo desde o começo da campanha, e que ganha ar de veracidade porque o governo Lula acaba de trocar a direção da empresa.

Marina Silva, também bonita e elegante, respondeu bem à questão de que “as crianças hospitalizadas atrairiam menos atenção do que as árvores.” Mostrou com clareza que se trata de uma mesma luta ambiental: por preservação do meio ambiente e saneamento. O problema é que ela repetiu várias vezes a ideia de que houve avanços em ambos os governos, foi suave demais com Dilma, pareceu amiga de Serra e em nenhum momento conseguiu estabelecer uma diferença entre ela e os outros. Só conseguiria isso se atacasse diretamente. Ela sabe o quanto Dilma nas brigas internas do governo optou por decisões que ferem diretamente o meio ambiente. Sabe que Serra apresentou discurso ambiental de último momento. Era hora de mostrar o que na prática quer dizer quando afirma que só ela tem uma proposta de desenvolvimento para o século XXI. Quem está estagnado em terceiro lugar tem que ousar mais, atacar mais. Ela deixou Dilma falar impunemente frases como “sou contra qualquer medida que flexibilize o desmatamento”, quando o governo foi o inspirador da proposta que anistia os desmatadores. Seu melhor momento foi quando respondeu à pergunta sobre o crack, feita por Dilma. Provavelmente, Dilma fez a pergunta na suposição de que Marina fosse dizer generalidades, e ela, Dilma, poderia falar do programa que o governo apresentou recentemente. Marina reagiu e disse que o programa tinha sido apresentado pelo seu coordenador de segurança pública, Luiz Eduardo Soares, ao ministro Tarso Genro, e que a proposta dormiu na gaveta até as vésperas das eleições. Dilma não negou que tivesse sido assim.

Plínio de Arruda Sampaio, com fala mansa, se dirigindo diretamente ao telespectador, foi o inesperado. Passou a mensagem quando disse que os três candidatos eram gradações da mesma proposta e só ele era diferente. Mas não conseguiu dizer que ideias de fato tinha. Alguns refrãos sempre repetidos não tinham significado para além do gueto dele. De qualquer maneira, seu estilo franco sem agressividade atrai simpatias.

Ser o melhor em um debate ou ter tido alguns escorregões não definem uma eleição. É preciso uma hecatombe para fazer diferença. Mas os debates são um molho da democracia. E o da Band foi uma boa mistura de ingredientes indispensáveis ao processo de escolha."

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